<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19950324-026</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950324-026</DOCID>
<DATE>19950324</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>LL</AUTHOR>
<TEXT>
«Mundiais» de crosse: Paulo Guerra não assume favoritismo
«Estou muito nervoso»
Luís Lopes
Líder actual do World Challenge de crosse, Paulo Guerra é talvez o único europeu capaz de se opor aos africanos, nos «Mundiais» da especialidade. O jovem atleta, no entanto, rejeita esse papel -- pretende apenas fazer melhor que na edição do ano passado e confirmar o seu estatuto de melhor europeu.
Paulo Guerra, o fundista alentejano do Maratona CP, é o atleta português em quem amanhã todos os olhos estarão postos. Campeão europeu, depois de uma série impressionante de triunfos lidera a classificação actual do World Challenge de crosse, à frente de quenianos e etíopes. Por isso, muitos, dentro e fora do país, dão-no como capaz de quebrar a hegemonia dos atletas africanos nos «Mundiais» masculinos de crosse.
Guerra, no entanto, prefere a prudência, e não assume um papel especial. Pelo menos abertamente, como se pode confirmar na presente entrevista, concedida antes do embarque para Durham, na Inglaterra, onde decorrerá a edição deste ano dos Campeonatos do Mundo de crosse.
PÚBLICO -- Que espera fazer amanhã?
PAULO GUERRA -- Apenas melhor que o ano passado, em que fui 13º. Não exijo a mim mesmo mais que isso, o que poderia significar que manteria, como então, o estatuto de melhor europeu, que confirmei em 10 de Dezembro, nos primeiros «Europeus» de crosse...
P. -- Isso não é pedir pouco, depois das vitórias que tem tido? Não é excesso de modéstia?
R. -- Não vejo assim. Tenho só 24 anos e há que dar tempo ao tempo. Em anos que virão -- e eu espero continuar por muitos e bons --, então talvez eu possa acalentar outras ambições. Este também é o primeiro Campeonato Mundial de crosse a sério para mim, dado que no ano passado me vi como melhor português e europeu um pouco inesperadamente. Havia o Domingos Castro, que tinha sido campeão nacional, como natural chefe-de-fila.
P. -- Não fazer hoje o que já se pode e deixar isso para amanhã não será um grande risco, lembrando a cantiga do António Variações e guardadas as devidas proporções?
R. -- Eu afirmo o que afirmo com os pés no chão e evito sonhar desmesuradamente. Não temo o futuro: como disse, espero ainda ter muito tempo para evoluir. Não conto morrer amanhã!
P. -- Então se se visse em cima do pódio seria uma completa surpresa para si?
R. -- Completa! Excepto se se estiver a referir à classificação colectiva. Aí, acredito que Portugal possa ser terceiro, dado que o Quénia e a Etiópia serão inalcançáveis e então lá me verão. Espero... Neste particular, temos a nosso favor o facto de Marrocos estar desta vez mais debilitado, porque não contará com Khalid Skah e acho que podemos ombrear com os argelinos. Mas quanto a mim, nunca esqueço o que me aconteceu o ano passado nos «Europeus» de Helsínquia, nos 10.000m. Fui para lá cheio de esperanças e afinal fui só quinto.
P. -- Um bom lugar, não acha?
R. -- Talvez visto agora a frio não seja um mau lugar, mas eu tinha a melhor marca dos participantes e fiquei muito desiludido. Levei um balde de água fria que não quero voltar a levar.
P. -- E quanto a adversários individuais amanhã, quem são os mais temíveis?
R. -- Acedendo a que eu possa ser considerado como merecendo «ter adversários», penso que este ano serão sobretudo os etíopes que irão fazer a lei. É bem possível que haja um interregno quanto ao facto de o triunfo individual recair num queniano, graças a Haile Gebresilasie e Fita Bayesa, que se têm mostrado muito fortes também a acabar.
P. -- O que se tem visto é que, na hora certa, os quenianos batem-nos sempre, a esses dois...
R. -- Pode acontecer de novo, não fecho essa hipótese. O Quénia não tem William Sigei (campeão mundial nos dois últimos anos) mas conta com Paul Tergat. Têm uma equipa menos impressionante que nos anos antecedentes, mas na prática, no campo, podem muito bem subverter todos os prognósticos e isso tem acontecido sempre.
P. -- O jogo de equipa dos quenianos é um factor a temer?
R. -- Precisamente, essa é uma das minhas maiores preocupações, se não a maior, e também é por essa razão que eu já considero muito bom obter um lugar melhor que em 1994. São muitos contra mim ou outro qualquer que se lhes queira opor. Mudam de ritmo de forma incrível, tudo combinado entre eles, e acabam por colocar os restantes face a um combate desigual. Por isso, não considero que estou apenas a ser prudente quando digo o que digo.
P. -- Sente-se pressionado antes da prova arrancar?
R. -- Confesso que sim. A tensão sobe bastante nestes dias, é inevitável. Tenho a responsabilidade de ser o campeão europeu e cá em Portugal, como lá por fora, muita gente diz acreditar que eu seja o branco «providencial» que vai quebrar a superioridade dos negros. Este tipo de coisas é dito na imprensa e ganha repercussões como bola de neve e já muita gente me veio perguntar se eu vou ser campeão mundial.
P. -- Portanto, vai entrar em acção mais nervoso que o costume?
R. -- Sem dúvida, muito mais nervoso, muito mais... Isso também porque ainda não pude preparar este «Mundial» com todas as condições que desejava.
P. -- Quer dizer que na tal paragem de quase um mês, após a conquista do título nacional de crosse no Porto, algo correu mal?
R. -- Não, tudo correu bem, isto é, normalmente. Mas para o ano terei que fazer um estágio prolongado em altitude, durante cerca de um mês, antes dos «Mundiais». Ainda não sei o sítio, mas terá de ser e então tudo poderá correr melhor. Afinal, os africanos vêm «lá de cima» e isso traz-lhes as vantagens que se têm visto.
P. -- Para além do Alentejo e da zona de Barrancos, acha que o «coração desportivo» de todo o país vai estar consigo?
R. -- Disso não tenho dúvidas. De norte a sul, as pessoas esperam um novo Carlos Lopes. O que ele fez, há dez anos e mais, foi tão grande que ninguém esquece e todos exigem uma repetição. Essa repetição foi impossível até agora e não estou em ponto de fazer comparações entre mim e ele. Só que as pessoas desejam ver uma camisola portuguesa na frente.
P. -- Talvez possam ver a da Albertina Dias...
R. -- Talvez, e seria maravilhoso.
P. -- Já que amanhã a situação para si não é «fazer ou morrer», como se diz, faz sentido falar no pós-«Mundial». Quais são as suas prioridades para este ano?
R. -- A minha prioridade é impor-me definitivamente no circuito internacional aos olhos de todos, o que ainda não está feito.
P. -- Mais concretamente...
R. -- Para já, simplesmente melhorar as minhas marcas em 5000m e 10.000m. Correrei em breve os Campeonatos Ibéricos nos dez mil, prova em que costumam acontecer bons resultados. E irei aos «Mundiais» de Gotemburgo, em Agosto, se for caso disso. Mas, se tal suceder, nunca poderei ter as esperanças que alimentei no ano passado para Helsínquia.
P. -- Gosta muito mais do crosse que da pista. Porquê?
R. -- Desde pequenino, porque nasci numa região rural onde há espaço com fartura, sempre brinquei e vivi na natureza. Ela está dentro de mim. Vejo-me com dificuldade a dar voltas e voltas na pista, gosto muito mais de correr nos campos. Mas às vezes, lá tem que ser, dar aquelas mais de 20 voltas.
ltas.
</TEXT>
</DOC>