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<DOCNO>PUBLICO-19950428-016</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950428-016</DOCID>
<DATE>19950428</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>CB</AUTHOR>
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Nova direcção da APEL eleita em assembleia-geral morna
O benefício da dúvida
Clara Barata
A nova direcção da APEL foi eleita com protestos a meio-gás, sem o combustível de uma lista concorrente à apresentada pela presidência cessante. Sem muito entusiasmo por parte de um grupo significativo de editores, aguarda-se o desenrolar dos próximos capítulos.
A assembleia-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) de quarta-feira à noite, na qual foi eleita a nova direcção, foi morna como uma cerveja morta. A única lista apresentada, apesar de contestada por alguns associados, foi aprovada por absoluta falta de concorrência. «Só podia ser assim, não existindo alternativas. Os associados têm a associação que merecem», comentou Pedro Moura Bessa, da Civilização, um dos vice-presidentes da direcção cessante, que recusou colocar a sua assinatura no relatório de actividades relativo a 1994 (ver PÚBLICO de 26/4/95).
A única novidade foi a existência de 22 votos nulos -- os boletins não têm a opção de votar contra --, com todos os nomes riscados, em contraste com os 86 «sins» à nova direcção depositados nas urnas, parte significativa vindos pelo correio. «O normal é a quase unanimidade, com a direcção anterior a propor a seguinte, num clima de consenso», explica Zeferino Coelho, da Caminho, um dos sócios que se absteve para dizer «não» à lista presidida por José Manuel Lello (das livrarias Prólogo e Lello).
Os motivos que levaram a Caminho a votar contra prendem-se com a falta de protagonismo da direcção cessante na defesa dos problemas que afectam editores e livreiros -- do preço ao fixo ao IVA, passando pela falta de apoio à modernização. «Esta direcção sai da anterior, por isso não creio que se registem melhorias», afirmou Zeferino Coelho. Tem, no entanto, o «benefício da dúvida» de Moura Bessa.
Mas, como não vêem uma forte indicação de mudança na nova direcção -- empossada logo no final da assembleia --, estes associados da APEL receiam os embates dos próximos anos em empresas já tão frágeis como o são as editoras e livrarias portuguesas. «Estamos numa fase de grandes mudanças, na qual o amadorismo é cada vez menos possível», afirma Moura Bessa.
«Começam a ocorrer alterações no sector livreiro, ditadas por uma concorrência cada vez mais forte. Terá de existir uma reorganização, um maior profissionalismo e diferentes estratégias empresariais», afirma Francisco Espadinha, da Presença, presidente da direcção anterior à que agora cessou funções, e uma das figuras mais gradas da oposição interna na associação (ver PÚBLICO de 18/4/94).
Embora não ligado a este grupo de oposição, Moura Bessa acusa a direcção cessante -- à qual pertenceu, mas de cuja gestão se distanciou -- de ter funcionado «sempre a reboque dos acontecimentos», de parecer «sempre apanhada de surpresa». Dando portanto uma «má imagem» para o exterior, facilmente detectável pelo carácter vago do relatório de actividades, que enumera os acontecimentos do ano de uma forma meramente «descritiva, sem qualquer interpretação ou indicação do sentido da política da direcção».
Mas o pior de tudo é que o problema não é apenas de conjuntura, é mesmo estrutural: «Isto nem sequer é uma crítica específica a esta direcção», diz Moura Bessa. As coisas sempre foram assim, mas a mudança é cada vez mais inadiável. «Os editores queixam-se de serem desconsiderados pelos organismos públicos. O Presidente da República nunca se lembra de levar editores na sua comitiva. Mas a culpa também é dos editores, que não fazem grande coisa para serem considerados», acrescenta.
No entanto, afirma Espadinha, «o descontentamento e crítica são atitudes ainda muito difusas. Vai-se manifestando de uma forma muito fragmentária, não se reveste ainda do carácter de movimento». O que «se vai gerando é a consciência de que terá de haver alterações de fundo na APEL.» Mas, para as haver, «é necessário um debate alargado sobre a estratégia associativa. Isso não tem sido feito», adianta. Urgente é que «a nova direcção defina uma orientação programática objectiva».
Para esse debate, assegura, «há vários sócios da APEL disponíveis a intervir, não contra A ou B, mas na defesa do sector». O falhanço na elaboração de uma lista concorrente à apresentada pela direcção de Souza-Pinto atribui-o a Francisco Espadinha a uma certa lentidão na reacção. «Devia ter criada uma tendência mais forte de apoio a uma segunda lista».
Souza-Pinto defende a sua dama em contra-ataque: «Que isto fique claro como água, de uma vez por todas: quando se tenta organizar uma oposição -- o que é positivo, não podemos estar sempre todos de acordo --, há que apresentar alternativas. Jogar pelas regras do jogo, apresentando uma outra lista».
Margarida Dias Pinheiro, da Livraria Férin, uma das novas vice-presidentes da APEL, apresenta-se apaziguadora. «Do meu ponto de vista, a reunião correu bem. Registei todos os reparos, que são sempre bons para repensar as coisas. O importante é congregar esforços».
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