<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19950430-054</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950430-054</DOCID>
<DATE>19950430</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>ANP</AUTHOR>
<TEXT>
Euforia de vitória no comício de Lionel Jospin
Começou a «Jospinomania»
Ana Navarro Pedro, em Mont-de Marsan
Enquanto a primeira volta das presidenciais parece ter retraído Chirac, a Jospin, «a vitória deu-lhe asas». No seu comício na terra do socialismo mitterandista, Jospin admitiu que «graças ao povo», conseguiu «rachar a armadura» da sua personalidade. Segundo as sondagens, aproxima-se cada vez mais de Chirac.
Quem o viu e quem o vê! Lionel Jospin manda beijinhos com as pontas dos dedos. Entra na multidão que nem uma vedeta de "rock" já muito batida nestas andanças. Beijinho à esquerda, piada à direita, risadas com as marcas de "bâton" que "fans" entusiastas lhe deixam na cara. Há mesmo quem diga que está agora no palco como outrora um certo François Mitterrand - sedutor, à-vontade e irónico.
Verdade seja dita, ainda há uns restos de professor austero no candidato socialista à Presidência de República francesa. Percebia-se bem uma certa reserva, sexta-feira à noite, em Mont-de-Marsan, nos primeiros minutos de travessia do prado infindável até à tenda do comício. Houve um momento em que Jospin parecia de novo o tipo meio-apagado nos grandes conclaves socialistas. Mas a etapa do dia também não era igual a todas as outras.
Mont-de-Marsan é o feudo de Henri Emmanuelli, primeiro-secretário do Partido Socialista Francês (PSF) e o adversário que Jospin teve de derrotar no seio do partido para ganhar a candidatura à Presidência. E a cidade de 35 mil habitantes fica apenas a 60 Km de Latche, a célebre quinta de François Mitterrand. Forçosamente, este departamento das Landes, coberto de florestas e de pinhais, é a terra do socialismo mitterrandista. E Jospin diz desde o início da campanha que, de 14 anos de mitterrandismo, há coisas boas e outras más. Ainda na sexta-feira, o pessoal de Mont-de-Marsan recusava acreditar que Jospin tivesse dispensado a presença de Mitterrand no comício. Mas era verdade: o candidato socialista quer evitar dar munições ao seu adversário gaullista Jacques Chirac - que lhe aponta em permanência a herança desses 14 anos.
Em contrapartida, o Chefe de Estado enviou uma mensagem, lida por Emmanuelli. Não muito calorosa: "Lamento muito não estar com os militantes de Mont-de-Marsan (...) Faço votos com eles para a eleição de Lionel Jospin". O principal interessado não queria mais do que isto, e as seis mil pessoas na enorme tenda do comício ficaram suficientemente felizes.
E depois, as Landes estão a caminho dos Pirinéus. Aquela França profunda já é terra de gente de sangue na guelra. Bandas de música - com bombos à maneira - comentários directos à vedeta do dia: "Oh! Mon vieux! Você é mais alto do que pensava!", vendas com comida a sério, tipo"foie-gras" da região, presunto, salpicão, e uma verdadeira loucura de esperança na vitória a 7 de Maio: com este acolhimento pouco vulgar, o candidato reencontrou em pouco tempo os gestos, as respostas e as palavras que fazem dele um homem novo.
Intimismo e ironia
Custou-lhe mais de 15 minutos atravessar a multidão em delírio. "Nunca sei", confessou quando finalmente chegou ao palco, "no momento em que começo a atravessar a multidão, qual será a natureza das minhas emoções. Por vezes sinto uma espécie de euforia, por vezes uma serenidade tranquila, por vezes uma pequena ansiedade. Esta noite, tenho um nó na garganta. Pergunto-me se serei capaz de corresponder a tanta expectativa nos dez dias que vêm!". "Sim, Sim", respondia a sala. "Creio que sim!", disse Jospin.
Milagre da tecnologia: à mesma hora, numa entrevista gravada de antemão, o candidato aparecia na televisão a comentar precisamente as mudanças de estilo que tanto reparo merecem. E dizia o protestante austero que foi "graças ao povo", que conseguiu "rachar a armadura" da sua personalidade, considerada como "contrafeita e demasiado púdica". Aos 57 anos, Jospin descobriu não só uma personalidade nova, mas desabrochou também num orador de talento. Os gestos acompanham atempadamente a ironia, o fôlego do discurso. "Olha, o tipo encosta-se à tribuna como o Mitterrand", reparava a sala, toda ela vestida com os fatos domingueiros. É verdade que o pequeno gesto intimista - um braço dobrado em cima do tampo, outro lançado para a frente com a mão a agarrar a borda, o pé direito cruzado à frente do esquerdo, - anuncia, como outrora em Mitterrand, uma flecha contra o adversário:" A estratégia política de Chirac é a manha, o disfarce e a mistificação".
Todo o discurso foi centrado em dois pontos: ressalvar as diversas mudanças de credo ideológico do presidente da Câmara de Paris, para sublinhar a "instabilidade " que Jospin lhe atribiu; e comparar ponto a ponto os programas de um e de outro, para melhor arrasar o do adversário.
O fim do namoro a Le Pen
Mas, em Mont-de-Marsan, já não se ouviu uma única palavra de namoro ao eleitorado do líder de extrema-direita Jean-Marie Le Pen. Certas alusões à "insegurança", nos comícios anteriores em terras de farto voto lepenista, tinham deixado uma impressão de desconforto aos militantes.
Uma leitura caótica dos jornais do dia na gloriosa traquitana voadora que trouxera imprensa e "personalidades" de Paris, dava a entender que Jospin decidira parar "com a dança do ventre aos 15 por cento de Le Pen". E o candidato deixava até bem claro que, caso fosse eleito, não aplicaria de imediato o sistema proporcional ao escrutínio legislativo - uma reforma que ele sempre defendeu - e que Le Pen reclama desde há anos. Depois dos pulos no céu, as curvas da estrada pelo meio da floresta não deixaram ler o resto em melhores condições. Torna-se porém óbvio que a táctica do candidato socialista é a de deixar Jacques Chirac sozinho a namorar o eleitorado lepenista, para depois o acusar de ser o "refém da extrema-direita".
Isto acontece cinco dias depois de se assistir no campo socialista a um poderoso sopro de esperança na vitória. Chegado inesperadamente em primeiro lugar na primeira volta, com 23 por cento dos votos, Jospin e os seus consideram que não têm nada a perder. Chirac continua a ser o grande favorito para 7 de Maio. Mas as sondagens dizem que há muitos indecisos, e que todos os dias a diferença entre Chirac e Jospin diminui. Ontem estaria já a 54-46. O ambiente febril e alegre que reina em torno do candidato socialista contrasta de resto com a tranquilidade um pouquinho ansiosa dos chiraquianos.
A tal ponto que, nas atribuladas onze horas de viagem por ares e por terra, as "personalidades" não pararam de enfiar nos olhos da "imprensa" as linhas do "Libération", afirmando que há agora em França uma loucura que se chama "Jospinomania", e que Jospin é um "challanger" na veia de Jimmy Carter ou Bill Clinton: "A vitória deu-lhe asas, enquanto Chirac parece ter encolhido com a primeira lavagem eleitoral", frisava o editorial do diário.
Depois do comício, Mont-de-Marsan ofereceu a Jospin um "banquete republicano" na melhor tradição socialista francesa. Às tantas, alguém se deu conta de que os guardanapos eram cor-de-rosa - como dantes era cor-de-rosa o PSF. E pouco depois, havia oitocentos guar
</TEXT>
</DOC>