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<DOCNO>PUBLICO-19950503-106</DOCNO>
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<DATE>19950503</DATE>
<CATEGORY>Diversos</CATEGORY>
<AUTHOR>LP</AUTHOR>
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Porquê senhores? Porquê?
José Bento Amaro
Domingo Desportivo
Canal 1
Informação
Pois é. Sazonalmente trocam-lhe o nome, os apresentadores, o figurino. Regularmente servem-nos a mesma mistela, sem pimenta nem sal. Faz lembrar aquela história em que só mudam as moscas. É o Domingo Desportivo, esse programa do Canal 1 que teima em ser transmitido a horas dignas de uma qualquer pornochanchada e que agora até já caiu no ridículo: por não ter personalidades em número suficiente para falar de desporto, colmata essa lacuna com a presença de grupelhos fardados com as cores dos respectivos clubes e que batem palmas desalmadamente, nem seja para assinalar um bocejo do parceiro sentado ao lado.
Esta crítica ao Domingo Desportivo já era para ser feita desde o último FC Porto-Benfica. Nessa altura, entraram pelos ecrãs dois simpatizantes de cada clube (um, se a memória não nos falha, até era major ou tenente-coronel) que foram discursar sobre aquilo de que não percebiam patavina. Ainda por cima, o tal do major ou tenente-coronel, cachecol ao pescoço à laia de babete para menino grande, teimava em ser mal-educado, gozando com o adepto adversário e repetindo bojardas umas atrás das outras.
No último domingo (que é como quem diz, por segunda-feira dentro), a propósito do Benfica-Sporting, começou-se por lamentar a ausência de uma série de jogadores. Depois, a propósito do Salgueiros, lamentou-se a ausência do treinador Mário Reis. Voltando ao «derby» lisboeta e às respectivas claques, lamentou-se a ausência do chefe da dos benfiquistas. Às tantas, também ainda não havia imagens de um jogo (tudo por causa de um malvado de um fiscal, que não deixava entrar os senhores da televisão, porque estes não tinham levado os cartões da Federação). Enfim, só ausências.
Mas pensam que nos deixaram descalços? Sem as declarações e opiniões dos nossos ídolos de domingo? Nada disso. Levaram actores de teatro e músicos, que, por muitos bons que sejam no seu mester, não substituem os homens do futebol (imagine-se que um qualquer sapateiro português se armava aos cucos e ia apregoar aos sete ventos que, acerca da economia da República Popular da China, era ele e só ele o entendido) e ainda um grupo de rapazinhos trajados de vermelho, intitulados «Alma Salgueirista», cuja única finalidade era bater palmas e compor as bancadas montadas para o programa.
Por fim, voltando ao Benfica-Sporting, surgiu uma reportagem com o árbitro, ainda antes do jogo começar, na pastelaria onde ele, todos os dias, toma o pequeno-almoço. Primeira pergunta: «Vai mostrar muitos cartões?» Coroado respondeu à letra à parvoíce: «Só tenho dois.» Ficámos todos esclarecidos.
Até parece que isto é má vontade contra alguém, mas não é disso que se trata. Trata-se apenas de passar ao papel o que é por demais evidente. Toda a gente sabe -- e os responsáveis do Canal 1 também -- que qualquer programa de desporto tem grande audiência, quer os telespectadores sejam reformados ou criancinhas do ciclo preparatório, quer sejam pedreiros ou advogados. Mas será que os telespectadores dos programas desportivos no resto da Europa são tratados do mesmo modo? Por acaso já viram a que horas e como são apresentadas as ocorrências desportivas em Itália ou Espanha (fracas potências desportivas, como se sabe...)?
Se calhar, somos nós que estamos a ser mauzinhos. É que num país onde se dá tanta importância aos telespectadores, ao ponto de se lhes servir diariamente toneladas de telenovelas, não é de acreditar que nos estejam a chamar burros. Quem nos serve informação desportiva com tanta qualidade quer, por certo, o nosso bem. Quem faz isso, fazendo jus à política educacional que ministro da Educação após ministro da Educação nos vem prometendo, não tem outro objectivo senão o nosso bem-estar e contentamento.
Pronto. Já chegámos a uma conclusão. Somos nós os mauzinhos, uns mal-agradecidos que não curvamos a espinha perante quem tanto nos dá. «Mea culpa».
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