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<DOCNO>PUBLICO-19950523-156</DOCNO>
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<DATE>19950523</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>JD</AUTHOR>
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Mark Sandman, dos Morphine, antes do concerto em Portugal
Uma canção para a Europa
Para alguns são uma espécie de segredo bem guardado. Para outros os Morphine são simplesmente uma das maiores revelações musicais da América dos últimos anos. Uma revelação que irá aterrar no palco do Festival Super Bock Super Rock a realizar em Julho próximo em Lisboa. Mark Sandman, porta voz dos Morphine, abriu o apetite para o concerto, falou do último álbum da banda e da sua canção para a Europa.
«Good» e «Cure For Pain», os primeiros dois álbuns deste trio de Boston, puseram os cabelos em pé tanto a críticos como ao público mais informado, através de uma fórmula musical arrojada mas ao mesmo tempo acessível. No entanto, quando se anunciou o lançamento do terceiro , «Yes», muitos se aprontaram para lhes lançar alguns dardos: é que parecia que os limites do formato saxofone barítono/baixo de duas cordas/bateria/voz e canções simples, apesar de intensamente original, já tinham sido todos explorados. Só que eles acabaram por dar a volta à situação...
PÚBLICO -- Os Morphine fizeram dois álbuns bastante bons e havia muita gente à espera que vocês se estatelassem ao comprido neste terceiro disco. Tinham consciência disso?
Mark Sandman -- Não. No ano passado, estivemos muito ocupados, demasiado ocupados para pensar nessas coisas. Foram muitos concertos e viagens. Para mim, este disco teve uma preocupação: era preciso que representasse o que o grupo é ao vivo.
P. -- Mas uma canção como «Scratch», onde se diz qualquer coisa como «perdi tudo o que tinha, começando tudo de novo» tem ou não a ver com isso? Vocês tinham ou não a consciência de que possivelmente teriam de começar de novo?
R. -- Todo o mundo [Mark fala português com sotaque do Brasil] tem de começar de novo de vez em quando. Eu acho que é um sentimento muito universal. É só isso.
P. -- De qualquer modo, parecem ter conseguido ultrapassar a situação. Porque acham que o conseguiram?
R. -- A intenção foi só gravar o melhor disco possível. Todas essas canções foram testadas ao vivo. Houve algumas outras que também experimentámos e que não foram tão bem recebidas ou que não nos agradaram tanto e não foram incluídas em «Yes». Durante o ano passado, cada vez que estávamos em casa entre viagens íamos para o estúdio gravar duas ou três canções. No fim tínhamos muitas gravações, ouvimos tudo e tentámos fazer um disco que somasse um total. É uma espécie de viagem.
P. -- Mas apesar de à partida este parecer um disco igual aos outros dos Morphine, no final acaba por ser diferente de «Good» e «Cure For Pain»...
R. -- Sim, principalmente a última metade. Nós sempre fizemos canções como as dessa última metade, onde se lê poesia ou se experimenta outras coisas. Mas antes tínhamos medo de as lançar e agora talvez tenhamos mais coragem para o fazer.
P. -- De qualquer modo, não acham que no futuro a vossa fórmula sonora pode ser um beco do qual não vão conseguir sair?
R. -- Acho que não. Nós temos muitas ideias para o próximo disco, não sei exactamente dizer quais, mas talvez tentemos incluir uma orquestra egípcia, incorporar elementos de mambo e talvez um fado. Talvez haja um grande fado no próximo disco (risos). Eu gosto de fado, não muito muito, mas de alguns. Como aquela canção «Fado dos Cheirinhos»...
P. -- Como explica que exista um culto à vossa volta na maior parte dos países da Europa Continental (Portugal incluído) e na imprensa dominante para essa mesma Europa, que é em particular a britânica, sejam referidos apenas como uma espécie de curiosidade?
R. -- Bem, é difícil saber exactamente o que se passa. Até temos recebido boas críticas em Inglaterra, mas são sempre apenas uns parágrafos aqui, outros ali. São sempre bastante elogiosos, portanto não me posso realmente queixar. Não tento compreender o negócio da música porque parece ser bastante aleatório e incontrolável. Apenas se pode tentar fazer uma coisa de que se gosta e esperar que os outros também gostem, ou mais importante: esperar que os outros tenham uma hipótese de ouvir e escolher por si próprios se gostam ou não. É para mim impossível saber porque é que os Morphine são populares aqui e não ali. Não há lógica. Há imensa porcaria que está no topo e coisas óptimas que também estão no topo, e nós perguntamo-nos: «porque é que isto está ao lado daquilo?». É possível acreditar que se houver exposição suficiente, qualquer coisa possa ser popular. Basicamente, já não nos preocupamos.
P. -- Mas isso transforma-os numa espécie de segredo bem guardado para os europeus?
R. -- Não sei. Nós não queremos ser exclusivos para ninguém. Ficamos contentes por conseguir qualquer tipo de imprensa. Falar com alguém em Portugal neste momento é inacreditável. Ir aí tocar ainda é mais fantástico.
P. -- Exactamente, o que poderão as pessoas esperar do vosso concerto aqui?
R. -- Vai soar muito como o álbum, só que melhor. Vão ver três tipos, que provavelmente vão parecer um bocado cansados, e que vão dar o que tiverem para fazer um bom espectáculo e fazer as pessoas daí felizes. Estamos muito excitados por ir a Portugal. Eu em particular, porque estive aí durante um ano na Universidade e nunca mais voltei. E mesmo que o tempo esteja mau não me importo.
P. -- Há uma ideia do que se passa em relação a vocês na Europa. Mas, como têm sido recebidos nos Estados Unidos? É que o vosso som é bastante americano, mas ao mesmo tempo também consegue ser muito europeu...
R. -- Estamos a meio de uma digressão americana e todos os concertos têm estado esgotados até agora, por isso não tem sido mau. Claro que não andamos a tocar em estádios de futebol... Mas toda a gente tem sido óptima. Hoje tocamos em Nashville, que é a terra do country, mas onde em minha opinião é bastante difícil encontrar música country. Há uma música pop esquisita com chapéus à cowboy, mas para mim isso não é country. E eu gosto mesmo de country music.
P. -- O nome dos vossos discos -- «Good», «Cure For Pain», «Yes» -- induz uma atitude muito positivista, apesar da vossa música nem sempre o parecer. Essa é uma atitude consciente?
R. -- Acho que sim. Talvez nós adoptemos esses títulos porque às vezes as pessoas acham os Morphine muito deprimentes e tristes. Mas eu não julgo que o sejam. No fundo, somos positivos e temos esperança. Mesmo que tudo esteja escuro, há uma luz na distância.
P. -- E porque é que as capas dos vossos discos parecem sempre tão vazias de intenção?
R. -- Se se deixar algum espaço às pessoas, elas têm uma hipótese de usar a imaginação. E nós gostamos de deixar espaço à imaginação na música e em todos os aspectos. É mais uma estética que uma coisa de marketing.
P. -- Em «Yes» há canções que revelam uma espécie de confronto com algumas situações, como «Supersex» ou «Sharks». Há algum cinismo atirado para coisas que vos rodearam nos últimos tempos? Por exemplo «Supersex» tem este ambiente de rock'n'roll selvagem, de festas e vertigem...
R. -- Não sei se é amargura ou paranóia. Não há algo contra o qual esteja a reagir que seja diferente daquilo que qualquer outra pessoa no mundo tenha de enfrentar. «Supersex» tem um bocado a ver com esse ambiente rock'n'roll, mas também é uma espécie de canção de amor pela Europa. Porque utiliza uma série de palavras em inglês que são usadas ou entendidas em todos os países do continente. Por isso acho que quisemos dar à Europa uma boa canção que fosse fácil de entender.
Jorge Dias
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