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<DOCNO>PUBLICO-19950605-126</DOCNO>
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<DATE>19950605</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JH</AUTHOR>
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O jogo perigoso dos sérvios bósnios
Steven Niksic* em Belgrado
À decisão do Ocidente de reforçar a Forpronu com mais cinco mil homens, os sérvios da Bósnia responderam ontem com intensos bombardeamentos sobre Sarajevo e outras localidades. Mas o cerco aperta-se. Depois de ter obrigado Karadzic a libertar 120 reféns da ONU, o Presidente Milosevic mandou prender um dos maiores aliados do líder de Pale. A prisão de Vojislav Seselj foi entendida como um sinal à comunidade internacional de que Belgrado está mesmo interessada em reconhecer a soberania da Bósnia-Herzegovina, em troca do levantamento das sanções.
Os sérvios da Bósnia bombardearam ontem Sarajevo, causando pelo menos cinco mortos e dez feridos, no que foi considerado uma resposta à decisão da NATO e da União Europeia de reforçar os «capacetes azuis» com mais quatro mil a cinco mil homens.
Relatos das agências Reuter e France-Presse indicam que os sérvios bósnios intensificaram os ataques com armas pesadas, nas imediações e nos bairros a ocidente de Sarajevo, e ainda a Bihac, Maglaj e Gorazde. A Força de Protecção das Nações Unidas (Forpronu) confirmou os bombardeamentos, mas referiu não ter informações que permitam confirmar o número de vítimas obtido pelos jornalistas nos hospitais da cidade.
A Forpronu lamentou, mais uma vez, nada poder fazer para proteger as áreas de segurança criadas pelas Nações Unidas enquanto os sérvios bósnios mantiverem como reféns 257 «capacetes azuis». A Força de Reacção Rápida (FRR) que os ministros da Defesa de 15 países da NATO e da UE decidiram criar no sábado, para socorrer os 24 mil homens da ONU, não estará operacional antes do final deste mês.
Esta força, maioritariamente franco-britânica, é composta por comandos, que vão envergar os uniformes dos seus países, e não da ONU, dispondo de armas sofisticadas e de apoio logístico dos Estados Unidos. Os seus comandantes serão os generais britânico Rupert Smith e francês Bernard Janvier, responsáveis pela Forpronu na ex-Jugoslávia.
A grande dúvida que alguns responsáveis das Nações Unidas ontem colocavam era se a FRR, com as suas três brigadas, vai realmente ajudar a libertar os capacetes azuis ainda em poder dos sérvios bósnios ou se irá agravar ainda mais a situação. Os responsáveis da Forpronu interrogavam-se também sobre se a criação da FRR significa que os governos ocidentais estão agora mais determinados do que no passado a enfrentar as ameaças dos sérvios bósnios.
«Os sérvios têm mostrado que estão preparados para uma maior escalada -- não em termos de armas, porque não podem, mas em termos de vontade política», disse à Reuter um oficial da ONU. «Eles estão dispostos a violar as regras da guerra, a fazer vítimas e reféns, a fazer o que for necessário para vencer, e sabem que o Ocidente não faz isso.»
Fase decisiva
Para outros analistas, a criação da FRR é o sinal de que a intervenção do Ocidente na ex-Jugoslávia entrou numa fase decisiva. «Se fracassar, vai acelerar uma saída [da Forpronu]; se tiver êxito, a mudança no equilíbrio de poder no terreno poderá permitir finalmente uma solução diplomática.»
Para já, a melhor esperança para resolver a crise dos reféns parece ser a vontade do Presidente sérvio, Slobodan Milosevic, de os querer ver em liberdade. Como é um homem que sempre conseguiu o que quis, o Ocidente conta agora com os seus bons ofícios, esquecendo que foram os planos de Milosevic de expandir a «Grande Sérvia» que aceleraram o conflito.
Diplomatas em Belgrado garantem que foi um ultimato de Milosevic ao líder sérvio da Bósnia, Radovan Karadzic, que permitiu a libertação de um primeiro grupo de 120 «capacetes azuis» no sábado. O que Karadzic recebeu foi «um ultimato» de Milosevic, embora não se saiba bem que ameaça fez o Presidente sérvio.
Milosevic continua a negociar com o enviado especial norte-americano Robert Frasure o levantamento das sanções contra a Sérvia e o Montenegro, e espera que o facto de ter forçado Karadzic a libertar um primeiro grupo de reféns acelere o fim do embargo.
No entanto, Karadzic também gostaria de usar os «escudos humanos» da ONU para chegar a uma espécie de acordo com a comunidade internacional e negociar com alguns governos ocidentais para seu próprio benefício. Por um lado, sob a pressão de Milosevic, Karadzic aceitou libertar 120 reféns, mas por outro lado, os seus soldados capturaram mais 50. Na sexta-feira, à mesma hora em que os 120 estavam a caminho da liberdade, mais 38 capacetes azuis canadianos e 15 franceses foram feitos reféns, próximo de Gorazde e Sarajevo.
Milosevic «refém» de Karadzic
«Mais nenhum soldado da ONU detido como prisioneiro de guerra será libertado sem garantias firmes de que não haverá mais ataques aéreos contra os sérvios na Bósnia», avisou John Zametica, porta-voz oficial de Karadzic em Pale. Para que a sua mensagem ficassem bem clara, Zametica acrescentou: «A Sérvia não nos pode obrigar a libertar os prisioneiros de guerra.»
Por outras palavras, os líderes sérvios bósnios em Pale, «capital» da sua autoproclamada república, prosseguem o jogo perigoso com os reféns. Mas, desta vez, quiseram frisar que o Presidente Milosevic é também um refém nas mãos deles.
Radovan Karadzic está particularmente furioso com Milosevic por, alegadamente, este se ter mostrado disposto a reconhecer a Bósnia e a «vender os sérvios bósnios» em troca do levantamento das sanções internacionais. «Não acredito que Milosevic venha a reconhecer a Bósnia-Herzegovina», insistiu Karadzic numa entrevista especial à TV sérvia, há dois dias. «Mas se [Milosevic] o fizer, continuaremos a lutar até alcançarmos o nosso objectivo final.»
Os sérvios bósnios ainda não revelaram, porém, qual é o seu «objectivo final». Na mesma entrevista à televisão de Pale, Karadzic declarou que está agora disposto a aceitar todos os elementos do plano de paz para a Bósnia proposto pelas cinco nações do Grupo de Contacto, excepto os mapas de distribuição de território. No entanto, não esclareceu se aceitará os gestos formais que confirmarão a sua aceitação definitiva deste plano de paz ou a sua vontade de negociar, por via diplomática, o fim da guerra.
A lógica da situação sérvia bósnia, segundo a Reuter, parece indicar que vão manter alguns reféns para usarem como trunfos sempre que o Ocidente se mostrar mais duro. «É difícil ver como é que Milosevic pode libertá-los sem usar a força, se Karadzic não os quiser deixar em liberdade», observou uma fonte diplomática. «Por um lado, a sua credibilidade está em xeque, mas por outro ele não vai arriscar um confronto físico, embora o Exército e polícia da Sérvia fossem suficientemente poderosos para vencer o combate.»
A força de Karadzic está no facto de não ter nenhum sucessor óbvio e de a sua estratégia de jogar com o tempo num ambiente diplomático em mutação permanente sempre ter resultado.
Seselj na prisão
Outros observadores em Belgrado estão convencidos de que o Presidente Milosevic está realmente determinado a reconhecer a Bósnia-Herzegovina como um Estado soberano. As suas longas negociações com o enviado americano Frasure estão praticamente concluídas; a maior parte das sanções (mas não todas!) serão levantadas por um período «indefinido», mas o fim total do embargo só será possível se Belgrado reconhecer a Croácia tal como a Bósnia-Herzegovina.
A confirmação, embora indirecta, da alegada disposição de Milosevic para reconhecer a Bósnia só foi dada no sábado à noite com o já esperado anúncio da prisão do líder ultranacionalista Vojislav Seselj, do Partido Radical Sérvio, também conhecido como o principal opositor do reconhecimento da Bósnia-Herzegovina pela Sérvia.
Seselj e um grupo de deputados do seu partido foram detidos em Gnjilane, uma cidade na problemática província do Kosovo, depois de uma cena de tiros, ainda não explicada, num comício dos radicais. Estes organizaram, na semana passada em várias localidades da Sérvia, múltiplas manifestações de apoio a Karadzic e de protesto contra o reconhecimento da Bósnia. Seselj tinha também marcado um grandioso comício para o dia próximo dia 17 em Belgrado. No entanto, receando um conflito sangrento entre partidários de Milosevic e aliados da dupla Seselj-Karadzic nas ruas da capital sérvia, as autoridades tentaram encontrar uma razão para proibir o comício.
«O tiroteio em Gnjilane surgiu como uma provocação da polícia», declarou ontem um representante do Partido Radical. «Começou de propósito para justificar a prisão do nosso líder e proibir o comício em Belgrado.»
* Com Reuter e France-Presse
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