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<DOCNO>PUBLICO-19950609-054</DOCNO>
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<DATE>19950609</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>EHD</AUTHOR>
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Congresso dos liberais alemães começa hoje
Como salvar a «nave dos loucos»?
Ermelinda Pedrosa, em Mainz
Qual a diferença entre um Opel Manta e o Partido Liberal? O Opel tem pelo menos quatro lugares. É com anedotas como esta que os alemães definem a situação do FDP, que, segundo as sondagens, poderá não ter nem um lugar no próximo parlamento. Hoje, começa um dos congressos mais importantes da sua história. Na luta pela liderança joga-se não só a salvação da «nave dos loucos» liberal, como, em grande medida, o futuro do Governo de Kohl.
O Partido Liberal (FDP), parceiro minoritário da coligação governamental do chanceler Helmut Kohl, inicia hoje, em Mainz, um dos mais importantes congressos da sua história, esperando ultrapassar a «crise de meia-idade» iniciada há três anos quando o carismático Hans-Dietrich Gencher abandonou inesperadamente a liderança.
Por ser decisivo para o partido que durante décadas foi a terceira força política da Alemanha, este é também o mais participado congresso de sempre: 750 convidados nacionais e estrangeiros, 700 jornalistas e 662 delegados.
Como sempre, é o chamado cidadão comum que mais acertadamente define o partido deixado à deriva também pelo desgoverno do ainda ministro dos Negócios Estrangeiros, Klaus Kinkel. São duas as anedotas que nestes dias mais se contam. A primeira pergunta qual a diferença entre um Opel Manta e os liberais? Resposta: «O Manta tem pelo menos 4 lugares» (as sondagens dão ao partido cerca de quatro por cento, o que não é suficiente para ter um lugar no parlamento). A segunda deslinda o segredo das iniciais do partido: FDP (Freie Demokratische Partei) traduz-se por «Fast Drei Prozent», isto é «quase três por cento».
Em Mainz, sede do governo social-democrata da Renânia Palatinado, os liberais terão de encontrar não só um novo líder mas também uma nova orientação programática. Duas soluções difíceis dada a concorrência entre os dois candidatos à chefia, Wolfgang Gerhardt, presidente da delegação do Hesse, e Jürgen Möllemann, ex-dirigente na Renânia do Norte-Vestfália, ex-ministro da Economia e ex-vice-chanceler do Governo de Bona, por um lado, e a erosão nas três alas partidárias (económica, social e nacionalista), por outro.
Wolfgang Gerhardt é um fiel seguidor da política de Kinkel, um homem sério (demasiado sério dizem os seus críticos), sem escândalos, sem carisma e sem compromissos partidários. Jürgen Möllemann é o seu oposto: um carreirista, o protótipo do político pouco sério e que tanto nos seus desportos favoritos (pára-quedismo e futebol) como em política segue a mesma orientação: o melhor que ganhe, e o melhor sou eu.
Möllemann, um protegido de Genscher que chegou à política em 1972 pela sua mão, sabe o que quer: é o político nato, que assume a sede de poder e que o exerce tão bem ou tão mal como os outros; com a vantagem de saber tirar partido da insatisfação geral que reina nas bases e nas delegações estaduais. É o político que conhece as regras mediáticas e que as aplica ao fazer um balanço sucinto-demagógico dos liberais: em dois anos (com a chefia de Klaus Kinkel) desceu de 79 para 47 o número de deputados no Bundestag, de 93.103 para 84 mil o número de filiados no partido. No mesmo período os liberais deixaram de estar representados nos 16 parlamentos estaduais com 139 mandatos e 15 representantes governamentais em seis governos estaduais, para apenas terem presença em cinco parlamentos (Landtagen) com 46 mandatos. Esta decadência fatal deve-se, no entender de Möllemann, a projectos e pessoas erradas. Daí que, em Mainz, ele promova uma luta aberta não só entre ele e o seu adversário mas também entre as alas de esquerda, centro e direita.
Nas vésperas do congresso, Möllemann recebeu auxílio indirecto do ex-Presidente da República Walter Scheel, um liberal que, em entrevista à revista «Stern», esboçou as qualidades que o novo dirigente terá de ter: «Capacidade para se impor, disponibilidade em arriscar e sangue de aventureiro».
Ideias para a salvação
O congresso de hoje será não só emocionante mas sobretudo incerto. Embora uma sondagem do instituto Emnid indique que apenas 3 por cento dos cidadãos com direito a voto acreditem que Möllemann seja capaz de retirar o FDP da sua agonia mortal, é de contar com algumas incógnitas. Entre elas incluem-se os delegados estaduais e comunais que perderam os seus mandatos na sequência dos «sismos» eleitorais, sobretudo os do leste alemão que enviam a Mainz a maioria dos delegados.
A outra é a delineação de posições dos representantes das diversas alas: uns, como o antigo procurador geral da República, Alexander von Stahl, («convidado» por Wolfgang Gerhardt a abandonar o partido) vêem a salvação dos liberais num posicionamento mais à direita, do tipo nacionalista à Jörg Haider (dirigente do partido liberal austríaco); outros, como a ministra da Justiça, Sabinne Leutheusser-Schnarrenberger, do círculo de esquerda, de Freiburgo, pretendem devolver aos liberais as suas posições originais, partido de defesa dos direitos individuais e do estado de direito. Por fim, os economistas, como o ministro da Economia Günter Rexrodt, vêem na tecnocracia e na defesa da clientela mais abastada a salvação do partido.
A candidatura inesperada do «ressuscitado» Jürgen Möllemann veio, por um lado, baralhar as cartas do jogo e, por outro, revelar a orientação desta assembleia geral: uma disputa aberta e aguerrida sobre o futuro do partido liberal, uma redefinição das suas teses e quem o secretário geral do partido, Guido Westerwelle (eleito em Dezembro passado), queria a todo o custo evitar para não fazer naufragar de todo a «nave dos loucos» liberal.
O congresso de Mainz pode, afinal, vir a ser a renovação de um partido muito agarrado ao poder e, por isso mesmo, atrelado ao partido mais forte da coligação de Bona, a CDU. Daí que o chanceler Helmut Kohl encare com menos optimismo do que aparenta esta assembleia geral dos liberais, sabedor de que a vitória ou a derrota de um dos candidatos poderá igualmente fortalecer ou enfraquecer o seu Governo. Desta forma, a candidatura de Möllemann (que não defende nem a ala esquerda nem a direita, mas apenas a «sua») tem pelo menos o benefício de obrigar o partido a uma reflectida discussão, a qual poderá despoletar um efeito de depuração.
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