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<DOCNO>PUBLICO-19950616-046</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950616-046</DOCID>
<DATE>19950616</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JCS</AUTHOR>
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Reféns
Uma faca de dois gumes para Milosevic
O papel-chave que o Presidente sérvio, Slobodan Milosevic, tem vindo a desempenhar na resolução da crise dos reféns parece uma faca de dois gumes: reforça a sua posição perante a comunidade internacional, ao mesmo tempo que faz com que esta se mostre muito mais exigente a seu respeito, dizem analistas em Belgrado.
Por sua vez, ao entregar a Milosevic a maioria dos capacetes azuis que as suas forças tinham aprisionado, o chefe dos sérvios bósnios, Radovan Karadzic, está a oferecer-lhe um presente envenenado.
Há mais de um ano que o Presidente sérvio garante não ter qualquer influência sobre os dirigentes de Pale. Mas a espantosa eficácia de que foi obrigado a dar provas na questão dos reféns desmente-o de uma forma tão patente que o priva daquele argumento nas negociações de paz.
Qual é o grau de cumplicidade entre Belgrado e Pale, oficialmente em ruptura desde Julho de 1994, quando Karadzic rejeitou o plano de paz internacional? Quais as concessões que Milosevic pode ainda arrancar aos seus «irmãos» sérvios bósnios? Se lhe é possível fazer libertar os reféns, poderia Karadzic ter aprisionado os capacetes azuis sem o seu consentimento?
Estas são questões que a imprensa independente jugoslava levanta nos últimos dias. E Karadzic veio confirmar que se encontrou recentemente com Milosevic, mas sem precisar data e local.
«Nós podemos divergir [...] sobre os meios de resolver a crise [...] ou sobre o grau de unificação dos países sérvios, mas não creio que nos possamos tornar inimigos por razões políticas e ideológicas», declarou Karadzic à rádio B-92 de Belgrado.
Está Karadzic a dar um presente envenenado a Milosevic ou terão Pale e Belgrado acordado num «negócio» ? O semanário independente «Vreme» pergunta se «os reféns foram tomados para impedir o reconhecimento da Bósnia por Belgrado, ou se foram libertados para facilitar o levantamento das sanções contra a Jugoslávia» (Sérvia e Montenegro)?
A revista «Nin» admite que Karadzic, ao libertar os reféns, tenha querido presentear Milosevic, de modo a permitir-lhe aumentar a sua margem de manobra nas negociações com o Ocidente e a minimizar os eventuais efeitos colaterais sobre Pale.
Na entrevista à B-92, Karadzic mostrou-se pragmático. «O reconhecimento da Bósnia é uma questão de preço. Milosevic teve a oportunidade de se mostrar firme e não reconhecer a Bósnia sem obter aquilo que lhe é necessário: o levantamento das sanções e o reconhecimento da República Federal Jugoslava como herdeira» da antiga Jugoslávia. E insiste que Belgrado só deve reconhecer a Bósnia como «união» de duas entidades: a federação croato-muçulmana e a autoproclamada «República Sérvia» bósnia.
«O caso dos reféns pode incitar Milosevic a protelar o reconhecimento da Bósnia e a mostrar-se mais intransigente», diz um diplomata ocidental. «Mas mais do que nunca o Ocidente espera que ele use o seu evidente poder para trazer os sérvios de Pale para a mesa das negociações», conclui o mesmo diplomata.
[A situação dos reféns não teve ontem grandes desenvolvimentos. Karadzic prometeu a libertação dos últimos 15 observadores «o mais tardar no domingo». Mas a ONU acusa os sérvios bósnios de terem ainda em seu poder 26 reféns, 15 observadores militares e 11 capacetes azuis canadianos. Outros 92 capacetes azuis, russos e franceses, estavam ontem bloqueados pelos sérvios nos arredores de Sarajevo.]
Milan Dragovic, da AFP, em Belgrado
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