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<DOCNO>PUBLICO-19950621-050</DOCNO>
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<DATE>19950621</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
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Entrevista com Roberto Robaina, chefe da diplomacia cubana
Discutir quem é bom e mau já passou
Marlise Ilhesca, em Havana
Se Cuba procura -- e procura -- uma nova imagem, o rosto principal para ilustrar esta mudança continua a ser o do ministro dos Negócios Estrangeiros. Em entrevista a uma colaboradora do PÚBLICO, Roberto Robaina diz que o essencial é que o mundo saiba que Cuba não é nem o inferno que alguns pintam nem o paraíso que os cubanos gostariam. E sublinha que nas relações com os Estados Unidos já passou o momento de discutir quem é bom e quem é mau.
Com insistência especial desde a crise dos `balseros', em Agosto do ano passado, o regime cubano não tem poupado esforços para transmitir uma nova imagem, para combater a «satanização» que lhe é feita pelos seus críticos. Nos turistas e investidores estrangeiros continua a procurar os dólares que podem salvar o país da bancarrota. Ao mesmo tempo, liberta presos políticos e deixa-os falar. Abre as portas à CNN e esta, durante uma semana, fala bem de Cuba. Mais significativo, talvez: Fidel Castro torna-se mais e mais discreto e, nas últimas horas, torna-se notícia por apertar a mão a um velho inimigo.
Nesta atmosfera de mudança, o jovem chefe da diplomacia, Roberto Robaina, continua a ser uma estrela em ascensão.
PÚBLICO -- Como interpretar os claros esforços de Cuba para tentar passar ao mundo uma nova imagem?
ROBERTO ROBAINA -- O mais importante é passar uma imagem não manipulada. Na minha opinião, no caso específico da CNN é interessante observar que trabalharam de forma honesta, sem que isso signifique que partilhem os nossos princípios. A cobertura internacional que estamos a receber prova que honestidade não é prerrogativa nem do socialismo nem do capitalismo, mas sim de homens e mulheres que se cansaram de estar restritos a uma imagem manipulada. Até agora, só se via uma cara de Cuba, aquela que interessava aos que restringiam a informação a aspectos negativos. Quem vem a Cuba disposto a ver de facto a nossa realidade, descobre que ela inclui problemas já resolvidos, outros em curso e muitos outros por resolver. Insisto, estar informado não significa ocultar coisas más, por outro lado não significa esses 30 anos de hostilidades, de acusações de que isto é um inferno. O mundo precisa de saber que não somos nem o inferno que nos pintam nem o paraíso que gostaríamos.
P. -- Existe uma coincidência desta nova imagem com a flexibilização das relações cubano-americanas?
R. -- Não acredito que se possa falar em flexibilização. Não podemos classificar o complexo relacionamento entre Cuba e os EUA na base de Bill Clinton querer ser bom ou não connosco. Felizmente, conseguimos ultrapassar essas palavras. Já passou o momento de discutir quem é o bom ou o mau da história. O que existe é um consenso de que ambos os países devem ser flexíveis e garantes de compromissos. É evidente que, se chegámos a um acordo migratório, isso não se deve unicamente à posição dos EUA, mas também porque Cuba entendeu a situação em que eles estavam.
P. -- Porque é que cada dia se vê menos o Presidente Fidel na linha da frente da política externa cubana e novos personagens, como o vice-presidente Carlos Lage e o senhor, surgem em destaque?
R. -- Em primeiro lugar isso faz parte da própria política do Presidente Fidel Castro. Todos os que ocupamos cargos de responsabilidade na política cubana, estamos convictos de que este país não é dirigido por uma só pessoa. Todos sentimos profundo respeito por alguém que historicamente desempenhou, e continua a desempenhar, um papel importante. Mais respeito sentimos ainda ao saber que não quer desempenhar sozinho o papel que tem hoje na realidade do país. Fidel reconhece o valor daqueles que chegaram aos postos importantes como fruto de uma trajectória de árduo trabalho. A condução política, social e económica deste país está na sua maioria nas mãos de uma geração jovem que nasceu com a revolução. Ninguém deve estranhar que, num país onde mais de 50 por cento tem menos de 30 anos, os jovens estejam na linha da frente. Por outro lado, enganam-se aqueles que associam as mudanças simplesmente à presença de jovens em postos importantes. Maior erro cometem quando apenas esperam ver quem vai substituir Fidel Castro. Em primeiro lugar os líderes surgem em resposta a determinadas conjunturas e momentos históricos, situações essas que jamais se voltam a repetir da mesma maneira. Aqui poderá surgir um Pedro, um João ou uma Maria, mas nenhum poderá substituir Fidel.
P. -- A recente libertação de presos políticos (ver outro texto) a pedido da organização France Liberté faz parte deste esforço de mudar a imagem cubana?
R. -- Não é a primeira vez que um grupo de prisioneiros é libertado e que uma organização como a France Liberté nos visita. Tudo faz parte de um processo. A libertação foi precedida da visita do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, com quem mantivemos excelentes contactos. Em relação à France Liberté, o importante a assinalar é o facto de terem abordado de forma respeitosa o Governo cubano. Não houve nada de espectacular mas simplesmente uma mediação em favor de pessoas que já haviam cumprido parte das sanções a que estavam submetidas. Sair antes de cumprir toda a pena é algo previsto no nosso sistema penitenciário. A estas pessoas nunca foi imposto que mudassem a sua maneira de pensar. Repito, essas pessoas nunca estiveram presas pela sua maneira de pensar mas pelos crimes que cometeram.
P. -- Como é que o Governo reage à decisão de pelo menos um destes dissidentes de não somente continuar no país como trabalhar em oposição ao regime, sobretudo em relação ao tratamento dado aos Direitos Humanos?
R. -- Respeitamos a decisão mas não vemos nada de excepcional nisso. São muitos os que estão fora de prisões e que se mantêm na oposição. Sempre coexistimos com essas pessoas. A oposição não nos preocupa, mesmo reconhecendo que pode ser mais forte num momento em que o país passa por dificuldades, como é o caso agora. O que lamento é que, exactamente quando o país está mais ameaçado do que nunca, continuem a trabalhar para nos dividir.
P. -- Não lhe parece um paradoxo que a revolução cubana, cuja principal bandeira foi construir uma sociedade igualitária, esteja hoje dividida entre os que têm ou não acesso aos dólares, esta moeda que até há pouco os socialistas chamavam de símbolo do imperialismo inimigo?
R. -- Uma coisa é o que queríamos fazer e outra o que nos foi imposto para no mínimo salvar o que conquistámos depois da revolução. Para nós, a justiça social continua a ser prioritária, algo que não estamos dispostos a abandonar tendo ou não dólares na economia. Primeiro, nunca nos agradou o igualitarismo barato. Nada pode ser igual para todos se não trabalham todos igual. Estamos diante de um dilema: ou salvamos o que para os cubanos é essencial, ou perdemos tudo, em especial nas áreas de saúde e educação. O importante para nós é que acreditamos ser esta uma situação transitória. Não vamos conformar-nos a que uns tenham acesso a determinadas coisas e outros não. O problema é que a chegada de divisas é a única forma que Cuba tem no momento para assegurar que não se perca o que conquistámos. Hoje os riscos para Cuba são muito maiores, mas não podemos fazer marcha atrás. Dizem que o mundo mudou, que acabou a guerra fria, mas no meu país está mais congelada do que nunca.
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