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<DOCNO>PUBLICO-19950708-159</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950708-159</DOCID>
<DATE>19950708</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
<AUTHOR>GM</AUTHOR>
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Salter Cid
O secretário de Estado da Segurança Social, Salter Cid, está tranquilo quanto à situação actual da previdência. Diz que dívidas sempre houve e que a falha das cobranças se tem mantido constante. Acima de tudo, entende que o sistema «é perfeitamente solvente», que há um super-havit entre as receitas e as despesas do regime contributivo. O défice é do regime não contributivo e da acção social, mas isso não é a segurança social, no sentido estricto. Nem é à segurança social que compete financiar esse défice, é ao Estado, como já acontece há dois anos. Aliás, o fim da geração dos que beneficiam de pensões sem terem descontado para as merecer resolverá o problema...
É por estas razões que a reforma -- que apesar de tudo a sociedade mudou e a segurança social também tem de mudar -- se pode fazer devagar, pacificamente. Receitas, já há algumas: as contribuições vão ser «plafonadas» isto é, limitadas a uma base de descontos equivalente a entre oito e dez salários mínimos. E as prestações sociais vão ser só para aqueles que verdadeiramente precisem delas. Assim poderão ter aumentos substanciais. O abono de família duplicará, no mínimo. E com isto, e mais alguns apoios -- à educação, à habitação... -- Salter Cid acredita que até será possível inverter a evolução da taxa de natalidade.
Uma visão bem mais optimista que a da maioria dos especialistas têm apresentado.
PÚBLICO -- Podemos começar pela questão da dívida e da sua recuperação...
SALTER CID -- Essa é para mim uma questão perfeitamente irrelevante.
P. -- Talvez não tão irrelevante se considerarmos que o Governo, só esperando cobrar 20 por cento do total das dívidas, conta receber 50 milhões de contos por ano, nos próximos anos. Tanto quanto o PS pretende gastar com o rendimento mínimo garantido... Isto faz crer que bastaria uma ligeira melhoria na cobrança para ganhar nova margem de manobra para outro tipo de despesa.
S.C. -- O que me faz considerar a questão irrelevante é o facto de ser um problema de sempre da Segurança Social. É um problema comum a qualquer instituição que tenha que efectuar cobranças. A dívida tem um peso praticamente constante ao longo de toda a história da Segurança Social.
P. -- Mas em duas legislaturas seguidas do mesmo partido não seria possível fazer alguma coisa para pôr cobro a esse fenómeno? Por exemplo, criminalizando a dívida à Segurança Social?
S.C. -- Isso já foi feito. Desde 14 de Junho as dívidas à Segurança Social têm exactamente o mesmo tratamento das dívidas ao fisco. É na sequência de uma todas estas medidas que foram sendo tomadas e anunciadas que foi possível aumentar as contribuições, de 1994 para 1995, no primeiro trimestre, 10,5 por cento. Como a taxa social única baixou 0,75 por cento e a massa salarial subiu 6 por cento, temos praticamente mais 6 por cento relativamente ao acréscimo da massa salarial, o que quanto a mim reflecte um grande acréscimo da cobrabilidade da taxa social única.
Desacordo com o Tribunal de Contas
P. -- O relatório do Tribunal de Contas relativo à conta geral do Estado de 1993 refere, pela quinta vez consecutiva, que encara «com preocupação» a questão do financiamento da Segurança Social. Mas ainda recentemente o ministro do Emprego disse não estar nada preocupado com a questão, «nem no curto nem no médio prazo».
S.C. -- Presumo que o relatório se refere sobretudo às transferências do Estado para a Segurança Social e discordo. Têm sido feitas transferências do Estado para a Segurança Social, mas no cumprimento da lei de bases do sector que prevê transferências equivalentes às despesas dos regimes não contributivos ou fracamente contributivos e parcialmente as despesas correspondentes à acção social.
P. -- Essas transferências atingiram o ano passado os 330 milhões de contos e não é previsível que mesmo com a melhoria do ciclo económico, face às previsões de evolução do emprego, se reduzam ... Sem agravamento da carga fiscal como é possível aumentar ou manter este nível? Sobretudo tendo em conta que a diferença entre as receitas e as despesas do regime contributivo, que ainda há dois anos eram de 190 milhões de contos, se reduziram para 40 milhões...
S.C. -- São coisas distintas. Por um lado, o Orçamento do Estado deve transferir para a segurança social a parte correspondente à soma dos regimes não contributivos e de parte da despesa de acção social. Trata-se de pessoas que nunca descontaram para a segurança social mas ganharam o direito a uma pensão. Durante muito tempo, porque as receitas da segurança social eram muito superiores às despesas, não foi preciso fazer essas transferências. A partir de 1990, com o acordo de concertação social, o Governo comprometeu-se a fazer em três anos a totalidade dessas transferências. Isso já foi feito em 1994 e 1995. O que resultou daí foi que em 1994 o super-havit da segurança social foi de 40 milhões de contos, no regime contributivo.
P. -- O que é quase um quinto do que tinha tido dois anos antes. Uma tendência preocupante....
S.C. -- Mas não se esqueça que desde 1990 até hoje a Segurança Social foi capaz de capitalizar perto de 100 milhões de contos, através do fundo de estabilização financeira.
Prazo confortável
P. -- Parece muito dinheiro, mas torna-se de facto quase irrelevante para um volume de despesa, só no regime contributivo, superior a mil milhões de contos.
S.C. -- Não acho. Vai haver anos em que será possível transferir para o fundo um pouco mais. Como em 1994, quando se transferiram 17 milhões. O regime contributivo ainda é perfeitamente solvente.
P. -- É perfeitamente solvente? Tendo em conta os dados demográficos, a evolução previsível do desemprego, o aumento da escolaridade e o consequente retardamento da entrada na vida activa, o aumento da esperança de vida... E quando o saldo primário do regime contributivo quase se esgota em apenas quatro anos... Não admite que até final do século já estará de facto esgotado?
S.C. -- Não. Não admito que seja esse o prazo. A segurança social tem 40 anos e nesses anos a sociedade alterou-se muito: nascem menos crianças, a esperança de vida aumentou. Mas a Segurança Social vive de e para a sociedade, tem de se alterar. O que não há é a expectativa de uma rotura para amanhã. Isso é que não existe.
P. -- Admite que o IVA social é um primeiro passo na tentativa de sobrecarregar ainda mais o Orçamento do Estado?
S.C. -- Não é o Orçamento de Estado, é o consumo.
P. -- O IVA é um imposto.
S.C. -- Mas o IVA para a segurança social é a consignação de um por cento da receita deste imposto. Nesta óptica, a taxa social única também pode considerar-se um imposto. O IVA para o Orçamento de Estado não aumentou, continua nos 16 por cento.
P. -- É rigorosamente indiferente. O IVA é um imposto, seja qual for o destino da receita. E o que está a dizer é que um aumento de um ponto é um primeiro passo. Acha politicamente suportável novos aumentos da tributação para financiar a segurança social sem uma revolta dos contribuintes?
S.C. -- Não. Aliás, aumentámos o IVA mas diminuímos a taxa social única. Não quer dizer que esta tendência vá até às últimas consequências, como na Suécia, onde o sistema é quase integralmente suportado por impostos. Mas é por isso que estão a ser estudadas medidas de alteração do sistema, como o plafonamento das contribuições, a selectividade nas prestações, a substituição parcial da taxa social única por um imposto sobre o capital aplicado às empresas... São medidas que visam responder às alterações da própria sociedade. Mas não têm que ser tomadas amanhã. Temos um prazo relativamente confortável para as preparar.
Abono de família e taxa de natalidade
P. -- O ex-ministro Braga Macedo é bastante mais alarmista em relação à situação actual, no estudo que efectuou recentemente com o professor Diogo Lucena.
S.C. -- Pois. O prof. Diogo Lucena faz, com base em dados de hoje, algumas projecções para o futuro. Mas já ouvi citar um estudo do Banco Mundial que previa para hoje o esgotamento total das reservas de petróleo, de estanho, de cobre... As projecções às vezes têm este defeito. Na Alemanha, face ao decréscimo da taxa de natalidade, previa-se que em 2050 morreria o último alemão. Ninguém acredita que isso seja possível. Mas na Suécia a taxa de natalidade já se inverteu. E nós podemos influenciar a mudança. Por exemplo na taxa de natalidade, com um reforço do abono de família, aumentando-o sensivelmente.
P. -- Acha que isso faria aumentar a natalidade? Não estamos num estádio de desenvolvimento muito anterior a isso?
S.C. -- Neste ponto estamos muito perto da Europa. E aprendemos com os outros países...
P. -- ...mas o nível do abono de família sueco é incomparável.
S.C. -- Se vir a percentagem que o abono de família representa no rendimento disponível na Suécia e em Portugal, se calhar é igual. Podemos fazer com que a percentagem do abono de família no rendimento médio dos portugueses seja igual à percentagem do abono de família no rendimento médio dos suecos, embora com rendimentos médios totalmente diferentes...
P. -- Mas há fenómenos sociais e de desenvolvimento regional que são constrangedores: uma forte deslocação da população do interior para o litoral, a qualidade de vida a deteriorar-se nas zonas urbanas e suburbanas, incertezas em relação à economia e ao emprego. Tudo isto joga contra uma inversão do sentido de evolução da taxa de natalidade. Por isso lhe pergunto se acredita que com o aumento do abono de família pode fazer subir a taxa de natalidade?
R. -- Acredito que sim. Estamos a pensar que o aumento será muito sensível para os rendimentos mais baixos e portanto acredito que pode alterar.
P. -- Está a pensar num aumento de quanto?
R. -- Isso prefiro não lhe dizer porque depois pode criar expectativas nas pessoas que não venham a ser cumpridas...
P. -- ...mas ao dizer apenas isso também cria expectativas...
R. -- ... mas se eu lhe disser um valor depois ficamos apegados a esse valor. O que lhe queria dizer é que estas medidas têm de ser acompanhadas de outras, de que o Governo também tem vindo a falar, como seja o apoio à permanência dos pais em casa, a melhoria da educação, a melhoria das condições de habitação, etc.
P. -- E um aumento que possa ter o efeito de que fala não resultaria num encargo brutal para a Segurança Social?
S.C. -- Depende da selectividade. Nem sequer estamos a pensar gastar mais dinheiro.
Aumento das pensões acima da inflação
P. -- Diz que é possível aumentar o abono de família. Na entrevista que deu ao PÚBLICO, o primeiro-ministro prometeu, como prioridade para um futuro Governo do PSD, o aumento moderado das pensões e do subsídio de desemprego. Face aos encargos actuais com pensões, se admitirmos que esse aumento moderado é equivalente ao aumento do salário médio nacional -- este ano 5,5 por cento -- isto resulta num encargo de quanto, só no próximo ano? E na próxima geração?
R. -- Não tenho as contas feitas para lhe responder.
P. -- Mas sabe quanto é que dá um aumento para os pensionistas igual ao aumento do salário médio?
R. -- Sei que um aumento de um por cento nas pensões custa 30 a 40 milhões de contos.
P. -- Então, na próxima legislatura, só o aumento de 5 por cento nas pensões dará um encargo de mais quase 300 milhões de contos. Como é que no curto prazo vai financiar isso?
R. -- Temos que comparar o aumento das pensões, a um ponto acima da inflação, com o aumento das receitas.
P. -- Qual é o aumento das receitas?
R. -- Temos de conseguir aumentar as receitas das contribuições também um por cento acima da inflação todos os anos. Se a massa salarial crescer um por cento acima da inflação estamos a cumprir este objectivo. E as contribuições chegam para pagar o regime contributivo.
P. -- E tem de ir pela carga fiscal para tudo o resto...
R. -- Não, porque os regimes não contributivos não aumentam, diminuem. Já não entra ninguém para esses regimes, entram para o regime geral e descontam, sejam assalariados agrícolas ou independentes.
E contamos que a economia se desenvolva acima da taxa de inflação e que o PIB cresça em termos reais, nos próximos anos, na ordem dos 3,5 por cento ao ano. Em período de expansão, as receitas da segurança social crescerão mais do que a inflação, porque aumenta o rácio de cobrança e porque se cria emprego e a massa salarial sobe mais.
P. -- Esse raciocínio não é subscrito inteiramente pelas Finanças, que dizem que, com os encargos com a dívida e face à necessidade de redução do défice do OE, a margem de manobra não vai aumentar. Vai diminuir, apesar do crescimento da economia.
R. -- Eu referia-me ao crescimento das receitas da segurança social. Em matéria de défice do sector público não me pronuncio.
Reformar mas devagar
P. -- No seu financiamento contam as transferências do Orçamento do Estado.
R. -- Estão estipuladas na lei e até nem vão crescer muito. As transferências do OE são para cobrir os regimes não contributivos. E essas são estanques. O número de beneficiários vai diminuindo, porque há mortalidade e não há novos beneficiários.
P. -- O fim da geração dos actuais beneficiários que não tiveram carreira contributiva resolve o problema. É isso?
R. -- Do ponto de vista do OE, sim. Quanto ao regime contributivo, que é ao fim e cabo a segurança social em sentido estricto, ainda não é deficitário.
P. -- Mas está à beira de o ser. O número de contribuintes aumenta e a taxa de dependência também.
R. -- Não digo que não. A segurança social tem 40 anos e é preciso alterá-la, introduzindo-lhe os plafonamentos, a selectividade das prestações familiares. Mas o sistema é perfeitamente solvente. No regime contributivo temos 3,1 pessoas a descontar para um pensionista. Temos 1,6 milhões de pensionistas numa população activa de cerca de 5 milhões de pessoas. Nos próximos anos isto não se vai alterar significativamente. Podemo-nos adaptar devagar aos tempos modernos.
Plafonamento das contribuições
P. -- O que significa o plafonamento?
R. -- Basicamente o plafonamento é feito só nas contribuições. Ou seja, vamos dizer, provavelmente, no futuro, que não se descontará para cima de um determinado montante.
P. -- Mas não descontar acima dum determinado montante implica também não se receber acima dum determinado montante.
R. -- Mas continua-se a manter os 80 por cento relativamente àquilo que se descontou.
P. -- Agora o que conta é o fim da carreira contributiva. Para efeitos de cálculo da reforma contam os melhores dez anos dos últimos 15 anos. Agora muitos cidadãos já estão há muitos anos a descontar sobre a totalidade do salário. Onde é que vai introduzir o ponto de viragem?
R. -- A lei é taxativa: não se devem gorar as expectativas criadas. As pessoas que entraram nos 15 anos finais para a formação da pensão têm de facto expectativas em relação a isso.
P. -- Mas entretanto o esforço no princípio da carreira contributiva foi maior e não vai ter correspondência na pensão.
R. -- Esse esforço do princípio da carreira contributiva já conta relativamente pouco. Antes o que contava eram os melhores cinco anos dos últimos dez. Nessa altura a maior parte das carreiras contributivas eram muito curtas, havia profissões que até estavam proibidas de descontarem para a segurança social. Agora são os melhores dez dos últimos 15 anos. Era natural que à medida que as carreiras contributivas aumentavam se adequasse o sistema a essa nova realidade.
P. -- Então nada nos garante que daqui a algum tempo não nos venham dizer que afinal o que contam são os melhores 20 anos dos últimos 30...
R. -- ... foi o que a Suécia fez, mas não me parece que vá acontecer em Portugal. Não me passaria pela cabeça, neste momento, estar a mexer de novo nos períodos contributivos. Com precauções, e tendo em atenção as expectativas criadas, se o tal ponto de viragem for suficientemente afastado do final do período contributivo, as pessoas podem fazer esquemas alternativos. Aplicar a parte excedente, que deixa de ser passível de descontos para a segurança social, em esquemas privados de segurança social, que complementam aquilo que deixam de ter pela segurança social.
Sistemas privados
P. -- Conhece um inquérito recente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento que indica que 70 por cento dos portugueses rejeitam os esquemas facultativos de segurança social e que a maioria é da opinião que a segurança social é uma obrigação do Estado?
R. -- As pessoas desde sempre, em Portugal, habituaram-se a que é o Estado que gere a totalidade dos descontos. Isso revela que estão satisfeitas com a gestão que o Estado faz...
P. -- Não. A maioria acha que funciona mal...
R. -- ... se recusam a passagem para privados, é porque querem que seja o Estado. Não estão satisfeitas é com as prestações que recebem. Mas o Governo também não está. Quem nos dera a nós poder subir as pensões. Mas as pensões têm que estar de acordo com a carreira contributiva e com a situação do país.
P. -- Não há contradição no que as pessoas pensam. No discurso do Governo é que há. O Governo diz que o sistema não está insolvente, mas também diz: acautelem-se e tratem de arranjar esquemas de segurança social privada!
R. -- Não estou a aconselhar isso. Relacionei foi o sistema de plafonamento no regime estatal com os esquemas complementares.
P. -- Esse plafonamento será de quanto? Já se falou de 12 salários mínimos.
R. -- Doze salários mínimos são cerca de 600 contos. Praticamente não teria impacte.
P. -- Então quanto?
R. -- Teremos de pensar num valor entre 8 a 10 salários mínimos. Estamos a analisar isso.
P. -- Quanto tempo tem para fazer essa reforma?
R. -- Como lhe disse, o regime contributivo ainda é perfeitamente solvente e vai continuar a sê-lo durante mais alguns anos.
Maior selectividade
P. -- Estamos no fim duma legislatura. Os estudos estão suficientemente adiantados para o próximo Governo, seja ele qual for, tomar decisões a curto prazo?
R. -- Os estudos estão adiantados, mas alguns são complicados. Em matéria de selectividade, a única complicação que vejo é o facto de alguns rendimentos não serem objecto de imposto sobre o rendimento. Por exemplo, rendimentos de juros de capital. Como pagam taxas liberatórias, não entram para o cálculo do rendimento tributado em IRS. A dúvida está em como seleccionar as pessoas que devem ou não receber as prestações familiares. O tal abono de família muito aumentado mas que deve ser só para uma classe de rendimentos. O problema já foi posto em relação às propinas e por-se-á na segurança social.
P. -- Tem cálculos sobre o aumento dessas prestações e o número de pessoas que poderão beneficiar delas?
R. -- Não lhe posso dizer. Mas, por exemplo, temos de ver primeiro qual é o rendimento que justifica o recebimento do futuro abono de família. Isto é, vamos ter de determinar que acima de «x» salários mínimos, não se receberá o abono de família nem outras prestações familiares. É isso a selectividade.
P. -- Há pouco quantificou quando falou do plafonamento. Falou em oito a dez salários mínimos...
R. -- Mas agora não vou quantificar. Temos de ver se vamos atender ao rendimento per capita ou ao rendimento da família. São coisas delicadas. O plafonamento aplica-se só a uma pessoa, na selectividade temos de levar em linha de conta o agregado familiar. São contas mais complicadas.
P. -- Fala de uma subida significativa do abono de família, diz que é possível aumentar as pensões de reforma mais do que a inflação, o primeiro-ministro recomenda que o subsídio de desemprego aumente. Qual é o cálculo que está feito em matéria de despesa?
R. -- Eu falei-lhe na selectividade das prestações -- e o primeiro-ministro falou no mesmo em relação ao subsídio de desemprego -- mas entendo que a segurança social não vai despender mais dinheiro.
P. -- Vai gastar o mesmo dinheiro, mas com menos pessoas?
R. -- Exactamente.
P. -- Quais são as prestações sociais que devem ser mais selectivas?
R. -- Podem ser quase todas as prestações familiares. Estamos a falar de um subsídio de casamento de 19 contos; não sei se para a grande maioria das pessoas receber 19 contos é matéria para decidir casar ou não casar. O subsídio de funeral é de 26 cotos; possivelmente para algumas famílias não é ajuda nenhuma e para outras é muito pouco. O subsídio de nascimento é de 22 contos; possivelmente para muita gente não significa nada.
P. -- Podemos dizer que no mínimo tudo isto devia duplicar?
R. -- Em matéria de abono de família podemos dizer isso. Depende da selectividade, mas no mínimo devia duplicar.
Tributar o capital
P. -- E o sistema de financiamento da segurança social? Fala em tributar o factor capital. Como é que estão os estudos nesta matéria?
R. -- É a matéria que está mais longe duma solução, mesmo em estudos internacionais. Ainda nenhum país enveredou por esse caminho. Não há dúvida de que as empresas com maior factor trabalho perdem competitividade por via da taxa social única relativamente às empresas de maior factor capital, pelo que alguns especialistas dizem que estamos a desincentivar o emprego pela via da taxa social única. Hoje é comummente assente que deve ser a sociedade em geral a financiar a segurança social. Nuns países isso faz-se mais pela via dos impostos, noutros menos, mas é por essa via. Mantendo a competitividade global do sistema, podíamos ensaiar uma substituição da taxa social única por uma taxa sobre o factor capital das empresas...
P. -- ... por exemplo, pelo valor acrescentado
R. -- Sim. Outra hipótese é pelo valor das amortizações. Há quem diga que ia dificultar a modernização das empresas. No entanto a competitividade global mantinha-se. Diminuía talvez a competitividade das empresas com maior factor capital, mas aumentava a das empresas com maior factor trabalho. Ambas são hipóteses que me parecem válidas.
P. -- Também têm surgido propostas para regimes facultativos e para uma segurança social «a la carte», onde as pessoas podem descontar só para a reforma ou para a reforma e outros benefícios, mas com a obrigação de recorrerem a esquemas alternativos de protecção. Encara essa hipótese?
R. -- Isso seria possível se tivéssemos um sistema de contas, ou seja, se cada um soubesse quanto é que tinha descontado e para que é que tinha descontado. Em Portugal temos um sistema de repartição pura, toda a gente desconta para um bolo que depois é repartido pelas diferentes prestações. Não é possível, neste momento, individualizar.
Rendimento mínimo é outra coisa...
P. -- Tudo isto é uma maneira de se definir um rendimento mínimo, ou, na linguagem utilizada pelo PS, que o Governo e o PSD criticam, um rendimento mínimo garantido...
R. -- Penso que não. O rendimento mínimo tem uma característica universal, que presumo, pelo que o PS apresentou, se destina a quem não tem qualquer rendimento. O que só por si é algo difícil de calcular.
P. -- Mas os esquemas de que falou vão ter o mesmo problema, quando avançar para a selectividade.
R. -- É verdade. Tecnicamente era a mais simples de aplicar, mas tem essa dificuldade.
P. -- E está sujeita aos mesmos processos de fraude que o Governo diz que é o grande óbice ao rendimento mínimo garantido.
R. -- Mas o rendimento mínimo garantido era para uma população muito maior, seguramente, do que as pessoas que vão beneficiar das prestações mais selectivas.
P. -- Porquê?
R. -- Porque o PS fala em 200 mil. Simplesmente por isso.
P. -- E quantos vão beneficiar das prestações selectivas?
R. -- Não tenho estimativas.
P. -- Mas disse que o abono de família no mínimo deve duplicar? Quantas pessoas vão beneficiar dele?
R. -- Teria que analisar qual seria o rendimento per capita na família. Mas disse-lhe também que possivelmente ainda não o podia aplicar porque era importante vermos se não o estávamos a dar a pessoas que não o mereciam.
P. -- A dificuldade de um sistema é a dificuldade do outro. Acredita que com alguma imaginação vai arranjar uma solução para saber a quem vai pagar?
R. -- Espero que sim.
P. -- Então com alguma imaginação também vai ser possível saber quem vai ter direito ao rendimento mínimo garantido?
R. -- Mas o PS diz que o rendimento mínimo garantido é uma prioridade e não podia deixar de introduzi-lo imediatamente, já no próximo orçamento. Por outro lado, este ano o PS diz que são 200 mil beneficiários, se não se enganou nestas contas. Mas não se sabe quantos serão no futuro. Podem aparecer pessoas para o receberem e deixarem de procurar alternativas de rendimento.
P. -- Acha que com o nível actual de prestações da segurança social alguém deixa de trabalhar para viver com o rendimento mínimo? Com pensões da ordem dos 17 contos e o salário mínimo nos 50 contos?
R. -- Sem dúvida. Podem até recorrer ao emprego fraudulento, ao chamado biscate. Recebem um «x» da segurança social e fazem uns biscates. Põem-se fora da economia.
Dívida escondida
P. -- O Instituto de Seguros de Portugal está preocupado com a contabilização da dívida da segurança social e diz que há uma dívida escondida significativa, que resulta dos compromissos assumidos pelo Estado para com os contribuintes no pagamento de pensões de reforma. Segundo o ISP, se essa dívida fosse explícita, o peso da dívida total no PIB subiria dos actuais cerca de 70 por cento para mais de 200 por cento do PIB.
R. -- Já pedi esse estudo, mas ainda não o recebi. Pelas notícias que li, ele contabiliza os encargos resultantes das pensões que os actuais pensionistas já estão a receber mais as que as pessoas que ainda estão a trabalhar irão receber. Mas não contabiliza o que o Estado vai receber dessas pessoas que ainda estão a trabalhar e portanto ainda estão a pagar as suas contribuições para a segurança social
P. -- Mas o ISP tem também subjacente neste estudo que o sistema, sendo decrescentemente solvente, deixará de ser solvente no curto prazo. O raciocínio tem lógica.
R. -- Não. As pessoas tendem a dizer, «tout court», que nós temos 1,7 activos para cada pensionista. Isso está redondamente errado. Não podemos dizer que os sistemas não contributivos são responsabilidade da segurança social. Não foram no ano passado e não são este ano. É o Orçamento do Estado que paga esses regimes.
P. -- Este ano a receita do IVA consignada à segurança social é de 45 milhões de contos. O défice da segurança social, só este ao, é de 330 milhões...
R. -- Não. A segurança social não tem défice. As transferências do OE são feitas para pagar uma coisa que quando se começou a pagar foi desde logo assumido que seria o Estado a pagar.
P. -- Mas não foi assim até há dois anos. E isso é importante na medida em que ameaçou o sistema se segurança social.
R. -- Está a dizer que o sistema não fez as reservas matemáticas que podia ter feito? É verdade. Mas amanhã, se for necessário, o OE transferirá as reservas que não transferiu no passado.
P. -- Mas tem de dizer isso aos contribuintes, que é o mesmo que o ISP está a dizer.
R. -- Não, não é. Eu estou a dizer que o sistema é perfeitamente solvente! Em 1994 o Estado transferiu o que a legislação manda transferir e nós tivemos um super-havit de 40 milhões de contos. Acha isto que isto é um sistema falido? Há 1,6 milhões de pensionistas da segurança social e cerca de 800 mil dos regimes não contributivos. Mas mesmo só fazendo contas ao Orçamento do Estado, estes pensionistas, dos regimes não contributivos, vão continuar a diminuir. Em termos reais o OE nem sequer vai precisar de transferir mais. Pelo contrário, vai diminuir as transferências.
P. -- A dúvida assenta no seu optimismo quanto à solvência do sistema, que contraria a maioria das opiniões.
R. -- Mas a solvência é um facto! Não tem discussão!
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