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<DOCNO>PUBLICO-19950718-141</DOCNO>
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<DATE>19950718</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
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Djurumani
«Reencontro»
Africazz, distribuição: Dargil
São surpresas como esta que nos reconciliam com a vida. Chega-nos às mãos mais um disco de música de Cabo Verde e pensamos, desconfiados: «Outro? Como é possível que um país tão minúsculo, um milhão de pessoas, contando as que emigraram, como é possível que tão pouca gente produza tanta música?» Sobretudo torna-se difícil acreditar que ainda possa surgir nas ilhas algo de novo. Acresce que o autor é desconhecido, Djurumani, e mesmo no meio cabo-verdiano nunca ninguém ouviu este nome.
A seguir reparamos que o disco tem produção de João Freire e Manuel Paulo Felgueiras e então a desconfiança dá lugar à curiosidade. Manuel Paulo, actualmente ligado à Ala dos Namorados, é um nome respeitado na música portuguesa. Quanto a João Freire, militar e fotógrafo português que durante vários anos viveu em Cabo Verde, onde ele surge é quase certo que há boa música. Foi Freire quem revelou ao mundo o talento assombroso de Antoninho Travadinha -- falecido em plena ascensão --, levando-o a gravar em Lisboa o seu primeiro e único álbum, «Feiticeira de Cor Morena»; a ele se deve também o único disco de Luís Rendall e uma pequena, mas pouco conhecida, maravilha da memória musical das ilhas, «Promessa», de Teresa Lopes da Silva, editado pelo Governo de Cabo Verde durante o tempo em foi ministro da Cultura o cineasta Leão Lopes.
Djurumani, explica João Freire no excelente libreto que acompanha o disco, é o modo como o nome Germano é pronunciado pelas populações rurais da Guiné-Bissau. Germano, Carlos Germano, funcionário da TAP na cidade de Faro, terá assim pretendido homenagear o continente africano. Nascido na Ilha de São Nicolau há cinquenta anos, Carlos Germano cedo se interessou pela música popular do arquipélago e ainda hoje é lembrado na sua ilha como um grande «serenateiro». Freire conheceu-o no Sal, onde na altura prestava serviço militar, e logo ficou impressionado «com a sua voz poderosa, de timbre muito agradável, (...) com uma expressão que chegava a ser comovente».
A voz larga, imensa e sentida, do cantor cabo-verdiano é na verdade a primeira boa surpresa deste álbum. Na faixa inicial, «Grito Magoado», uma morna com a assinatura do próprio Carlos Germano, é difícil escutar outra coisa para além desta voz. Ao segundo tema, «Galo Bedjo» -- divertida coladeira de B. Leza, já gravada por Titina --, a participação dos músicos ganha força e relevo (o saxofone soprano de João Courinha é absolutamente irresistível), e torna-se claro que este não é, de facto, apenas mais um disco de música crioula. «Reencontro», chamou-lhe Carlos Germano, referência e discreta homenagem a João Freire; referência também ao facto de no disco participarem, lado a lado, músicos cabo-verdianos e portugueses, estes totalmente rendidos ao calor do som crioulo.
Alinham, do lado lusitano, entre outros, Rui Veloso, António Chainho, Bernardo Sassetti, Courinha, e o próprio Manuel Paulo; do lado cabo-verdiano, destaque para a participação do violinista Evaristo Rodrigues, irrepreensível na reconstituição de velhos temas, como «Nhô Manê Valentim». Vaíss (viola, viola de 12 cordas e cavaquinho) e Péricles Duarte (saxofone alto, clarinete e flauta) são igualmente presenças indispensáveis.
«Reencontro» junta 14 temas, na sua maioria nunca gravados, sendo cinco da autoria de Carlos Germano. A recuperação de canções populares da Ilha de São Nicolau, como a rumba «Tchitcha Pari bô Fidjo», ou a já referida morna «Nhô Manê Valentim», deve-se a João Freire, cujo arquivo, segundo o próprio, não se esgotou aqui. Ficamos pois à espera de novos álbuns de Djurumani. E que sejam sempre tão novos como «Reencontro». Este leva nota máxima, dez estrelas. (10)
José Eduardo Agualusa
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