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<DOCNO>PUBLICO-19950814-006</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950814-006</DOCID>
<DATE>19950814</DATE>
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Joaquim Azevedo, o «pai» das escolas profissionais, ao PÚBLICO
Uma aposta que não pode parar
Era secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário quando se lançou o subsistema das escolas profissionais. Joaquim Azevedo, hoje afastado do Ministério da Educação, explica o enquadramento destas escolas e não admite que elas venham a ser postas em causa por uma qualquer mudança de governo. Porque representam «um capital muito importante para a modernização do tecido produtivo nacional».
PÚBLICO -- Como foi lançado o subsistema das escolas profissionais? Qual era a ideia de base que esteve presente quando se pensou neste tipo de ensino?
Joaquim Azevedo -- Havia um ensino secundário uniforme que vinha dos anos 70 e que não correspondia à diversidade de expectativas e à diversidade de percursos que aumentava entre a população que chegava ao 9º ano. Em função disso, e do sentir dos empresários de que havia uma lacuna muito grande ao nível dos técnicos intermédios, decidiu-se criar um novo tipo de escolas que visassem sobretudo a formação profissional de jovens e que correspondessem ao percurso do ensino secundário. O nosso objectivo não foi criar uma espécie de subproduto para uma população insucedida; foi criar oportunidades de formação de bastante qualidade, respondendo a necessidades locais. E por isso é que o projecto tem as características que tem.
P. -- Está a referir-se à participação da sociedade?
R. -- Sim, porque este projecto radica na actuação concertada entre o Estado e a sociedade. Até hoje, mais de 350 instituições da sociedade envolveram-se directa e empenhadamente na promoção local destas escolas, com o apoio do Estado e mediante uma orientação geral previamente estabelecida. Esta concertação de perspectivas, recursos e esforços é a pedra-de-toque deste projecto social inovador.
P. -- Qual é o lugar que as escolas profissionais ocupam em comparação com os cursos tecnológicos do ensino secundário?
R. -- Os cursos tecnológicos e as escolas profissionais têm algumas semelhanças, mas também têm algumas diferenças importantes. Semelhanças têm porque se situam após o 9º ano, oferecem também cursos que, em geral, são de três anos. Daí que os diplomas a que conduzem são equivalentes para efeitos de prosseguimento de estudos. Mas também têm diferenças assinaláveis. É que uma escola profissional é de iniciativa local, que visa qualificar profissionalmente jovens e levá-los a uma entrada mais imediata no mercado de emprego. Os cursos tecnológicos são para cerca de 80 por cento dos jovens que o frequentam uma forma de aceder a cursos superiores no âmbito também tecnológico.
P. -- Se estas escolas não se destinavam a um subproduto, então qual era o público-alvo?
R. -- Não havia um público específico. O nosso público-alvo era a população do 9º ano. Desde 1988, houve uma divulgação de documentação preparada especificamente para eles, que visava dar-lhes a conhecer as novas oportunidades de formação. A ideia era que a formação é um investimento. Não se limitava a liberdade de opção e de prosseguimento de estudos a ninguém, mas apresentava-se claramente como uma alternativa de formação para a população que tinha o 9º ano.
P. -- Este subsistema significou um esforço financeiro considerável por parte do Governo?
R. -- Este tipo de ensino é naturalmente mais caro do que o ensino geral e do que o ensino tecnológico das escolas secundárias. Mas tem custos controlados. Desde o início que houve um cuidado grande em estabelecer parâmetros e tectos, e isso foi feito. Claro que há cursos bastante mais caros do que outros, mas umas áreas compensam as outras.
P. -- Pode pensar-se que este sistema não existiria se não fossem os financiamentos da Comunidade Europeia?
R. -- É difícil saber se a história tinha andado desta maneira. O que é certo é que, entre 1986 e 1989, nasceu e cresceu a convicção de que o dinheiro comunitário destinado à qualificação profissional em Portugal deveria ser dividido entre a qualificação inicial e a qualificação de activos.
P. -- A reestruturação dos cursos também estava prevista desde o início?
R. -- Estava previsto sobretudo um sistema bastante flexível. Como são escolas que respondem muito às necessidades locais, elas abrem e fecham os cursos conforme se entende que existe mercado para essas formações. Mas também há casos de mau funcionamento, o que explica que 21 das 165 escolas profissionais não tenham tido autorização para aceitar uma única turma de novos alunos.
P. -- Mas a questão este ano não foi pacífica...
R. -- Este ano, o problema é diferente, porque não se tratou apenas de estabelecer um critério sobre os cursos que eram mais adequados e os cursos que respondiam, ou não, às necessidades da região, mas também a cortes que tinham como base ou como estímulo a ausência de financiamento.
P. -- Com a previsível diminuição dos fundos comunitários, o que é que se prevê que venha a acontecer às escolas profissionais?
R. -- Penso que, no futuro, o Estado tem que encontrar, juntamente com os promotores das escolas, um quadro que permita manter este tipo de formação. Porque ela se tem revelado fundamental. Os técnicos intermédios que hoje estão a entrar nas empresas são quadros importantes, nomeadamente para as PME's, e representam um capital de esperança muito importante para a modernização do tecido produtivo nacional. Nessa perspectiva -- e dado que o Estado financia a cem por cento o ensino secundário --, não faz muito sentido que também aqui não haja uma participação importante do Estado. Claro que, não sendo o Estado o único patrocinador destas escolas, é natural que haja que estabelecer regras de financiamento público e privado.
P. -- Acha que este tipo de ensino corre riscos com uma eventual mudança de governo?
R. -- Não, não creio que se chegue a isso...
P. -- Então é um subsistema com futuro?
R. -- É! Qualquer país desenvolvido hoje tem níveis de adesão na ordem dos 50, 60,70 e 80 por cento dos jovens neste grupo etário. Portugal não está a caminhar para nada que seja demasiado díspar das outras realidades dos outros países. Aliás, Portugal encontra-se agora ao nível de outros países europeus na oferta de formações técnicas e profissionais. É evidente que é um tipo de ensino que custa mais, mas essa é uma opção do investimento público. Quer dizer, não faz sentido andar para trás de maneira nenhuma neste tipo de opção. Precisamos de técnicos intermédios como do pão para a boca. Portanto, não me ocorre que qualquer governo que tenhamos nos próximos dez ou vinte anos se lembre de destruir o que demorou muitos anos a construir e que representa um capital de grande esperança na renovação no nosso país. Muita gente me dizia em 1984/85 que nunca vingaria esta perspectiva de crescimento do ensino técnico e profissional tal como nós a prevíamos na altura (estimávamos chegar aos 40 por cento de opções por esta área) porque nós éramos um país de doutores e a mentalidade impedia-nos de chegar aí. Nós estamos, agora, perto dos 38 por cento. Por isso, é precisa muita persistência e muita continuidade nas políticas. Qualquer mudança de orientação não pode levar à destruição de políticas nacionais.
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