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<DATE>19950920</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
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«The Washington Post» publica 35 mil palavras de manifesto terrorista
Cedência a assassino ou acto heróico?
Um terrorista misterioso ameaça matar se um dos maiores jornais do mundo não publicar o seu enorme e denso manifesto contra a sociedade industrial. FBI e governo norte-americano pressionam. Oito páginas de jornal numa edição de 800 mil de tiragem. Não é o «plot» do próximo filme de Bruce Willis. É verdade e aconteceu ontem. O «The Washington Post» abriu as suas páginas a um assassino. Salvou vidas ou abriu um perigoso precedente?
Após terem reflectido durante três meses, os responsáveis pelos diários norte-americanos «The Washington Post» e «The New York Times» concordaram em publicar ontem um manifesto de 35 mil palavras enviado pelo misterioso Unabomber. O terrorista prometera efectuar mais um dos seu mortais ataques com cartas-bomba se um dos jornais não publicasse o seu longo manuscrito a criticar a sociedade tecnológica. E estoirou a polémica: os jornais cederam ao terrorismo ou tomaram uma decisão responsável?
A polémica justifica-se. Pode a publicação do manifesto ser encarada como um (perigoso) precedente e encorajar outros candidatos a actos terroristas? Unabomber é contudo um «velho conhecido» e desde 1978 já matou três pessoas e feriu 23 em 16 actos terroristas. Os jornais alegam, para mais, que foi a poderosa Procuradora-Geral Janet Reno e o director do FBI, Louis Freeh, quem não cessou de lhes pedir que o manifesto fosse publicado, assumindo mesmo as consequências. Que poderiam ter feito? Recusar seria assinar o atestado de óbito a alguns inocentes?
Embora os dois jornais tenham decidido repartir os custos do suplemento de oito páginas -- 40 mil dólares (cerca de seis mil contos) -- o manifesto só saiu nos 800 mil exemplares da tiragem diária do jornal de Washington.
Donald E. Graham, o homem forte do «The Washingtin Post» e o seu «homólogo» do «Times», Arthur O. Sulzberger, reconheceram, numa pouco usual declaração conjunta, que a publicação do manifesto foi feita por «razões de segurança pública» e «não por razões jornalísticas».
«É terrível, mas somos obrigados a dar crédito às palavras de alguém com o recorde de violência que o Unabomber tem», disse Sulzberger. É que o terrorista ameaçara, caso não se procedesse à publicação do seu manifesto, enviar a alguém uma carta-bomba, «com intenções de matar». Dizem os homens dos jornais: «Se se publica e ele não mata mais ninguém temos um bom negócio. Mas, e se se publica e ele continua a matar pessoas? O que é que se perdeu? O custo de impressão?» E adiantou: «Isto diz respeito ao papel de um jornal enquanto parte activa da comunidade». E questiona que alternativa teriam: «O FBI sabe mais do que nós sobre este homem e a sensação deles é que ele iria cumprir a sua ameaça de começar a construir uma nova bomba».
Numa carta de Abril dirigida ao «Times», o Unabomber garante que se for publicado o manifesto renunciará ao terrorismo (que ele define como «intenção deliberada de ferir ou matar seres humanos». No entanto diz-se ainda decidido a «destruir bens de outros sem contudo ferir seres humanos»).
Um «preço baixo»?
Em finais de Junho, o «Times» e o «Post» começaram a receber as 56 páginas de texto que incluem 11 de notas de rodapé. «Abrimos as nossas páginas a um assassino mas achamos ter feito a melhor opção», disseram ontem os responsáveis pelos dois jornais.
Os analistas dos «media» não são consensuais quanto à decisão tomada. Alguns defendem que publicar 35 mil palavras é um preço baixo a pagar perante a possibilidade do assassino voltar a matar. Mas outros avisam que «não há maneira dos jornais saberem se o Unabomber irá manter a sua palavra... Aceitar os seus termos é encorajar outros a fazerem chantagens similares».
Nancy Woodhull, fundadora do «USA Today» e conselheira de comunicação, é peremptória: «A Imprensa não se deve tornar o actor de uma matéria como esta. Se cedem pelo Unabomber por quem irão ceder a seguir? É deplorável estar, de certa forma, a recompensar um assassino».
Já o reitor da secção de Comunicação da Universidade de Washington, Sanford Unger, chamou a esta decisão «acto de heroísmo para salvar vidas humanas».
O «manifesto»
O manifesto do Unabomber (nome criado pelo FBI por ele ter começado os seus actos terroristas em universidades) é um denso documento onde se apela a uma revolução planetária contra a sociedade moderna. Ele argumenta que a era tecnológica roubou a «autonomia» às pessoas. «A revolução industrial e as suas consequências foram um desastre para a raça humana», forçando as pessoas «a comportarem-se cada vez mais de uma forma distante do padrão do comportamento humano».
Embora o Unabomber escreva sempre em nome de um suposto grupo (o «Freedom Club») o FBI acredita que ele é um branco, na casa dos 40 anos, que actua solitariamente. O seu «modus operandis», em 17 anos de ataques, foi sempre o do silêncio. Mas decidiu mudar de táctica em Abril, no dia seguinte ao atentado de Oklahoma City. Foi então que decidiu começar a enviar cartas onde explica os seus fundamentos «político-filosóficos» e onde se percebe que se terá sentido «ultrapassado» pelos terroristas de Oklahoma. Aliás, dias depois desse atentado decidiu enviar uma mortífera carta-bomba a um industrial de madeiras de Sacramento, Califórnia.
Dado que as suas actuações em 1978 começaram na área de Chicago, o FBI anda a interrogar professores universitários para saber se algum aluno da década de 70 defenderia argumentos como os do manifesto. Pensa-se que o Unabomber terá formação académica em História das Ciências e que terá mudado para a área de Salt Lake City na década de 80.
De toda a maneira é ele quem descreve o FBI como «surpreendentemente incompetente» e «incapaz de ordenar correctamente factos elementares». Certo é que as dezenas de agentes que estão no caso parecem não fazer ainda grande ideia de como chegar ao Unabomber. Mas acreditam que ele vá de facto parar com os atentados mortais. «Ele tende a manter a sua palavra».
PÚBLICO com Reuter, AFP, «The Washington Post» e «LA Times»
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