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<DOCNO>PUBLICO-19950930-152</DOCNO>
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<DATE>19950930</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
<AUTHOR>MC</AUTHOR>
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Os viciados e os bem vestidos
A quem ontem (e nos últimos dias) sintonizasse a CNN-International (portanto, um noticiário não dirigido para os telespectadores nos EUA), pareceria só existir um tema em todo o planeta Terra: o julgamento de O. J. Simpson. Não há como escapar. O duplo homicídio supostamente perpetrado por um antigo jogador de futebol tornou-se (talvez juntamente com o atentado de Oklahoma) o único dos acontecimentos de relevo que aconteceram até ao momento este ano. É uma tese que agradará a qualquer «viciado em O. J.».
O jornal «Independent», por exemplo, publicou esta semana um testemunho de uma destas «doentes». Susie Gershon, 54 anos, de Kansas City, assume-se. O quotidiano dela está determinado pela cobertura da CNN, que começa às onze da manhã e termina às sete da tarde. «Eu oriento a minha vida em função deste horário. Quando eles fazem o intervalo para almoço é que eu aproveito para fazer as minhas coisas.» Tal como a maioria dos «viciados em O. J.», Susie Gershon começou devagarinho. «Comecei a acompanhar o caso sem grande interesse e nessa altura não acreditava que ele pudesse ter assassinado duas pessoas daquela forma», diz.
Este vício, tal como a maioria das compulsões, parece uma coisa aborrecida para quem não está «agarrado» e pode provocar ataques de ciúmes nos «limpos». «O meu marido é uma pessoa muito calma, mas um dia chegou do trabalho e começou a gritar comigo: `Quando é que isto acaba? Arranja uma vida, mulher! Eu já não aguento!»
A senhora Gershon tem os seus advogados favoritos (mais da defesa, diz) e tornou-se uma especialista em intricadas quezílias legais. «Tenho passado um mau bocado com o juiz Ito. Ele tem sido muito pró-acusação e não está a controlar totalmente o julgamento. O melhor momento foi o da luva. Eu andava a dizer para mim: `Mas por que é que eles não o mandam experimentar a luva?'»
Já quanto ao veredicto... Bem, a senhora Gershon diz achar que, se fosse jurado, estaria neste momento a pensar que ele era culpado, mas estaria também com dúvidas sobre se teria a certeza de que esta fosse «uma certeza para além da dúvida razoável». E agora que tudo vai terminar? «Vai ser um alívio, vou voltar às minhas coisas, à minha ginástica, regressar ao que fazia antes disto tudo.»
O repórter do «L.A. Times» passeou-se pela megametrópole. No momento em que começam os blocos televisivos O. J. o som é aumentado até ao volume máximo, dos salões de beleza aos ginásios de musculação, dos restaurantes a fábricas, fica tudo agarrado ao ecrã. A música de apresentação da CNN «tornou-se a dança sociológica da América. É necessário um grande final, agora que voltaram as televisões que se tinham ido embora agoniadas com as infindáveis discussões sobre ADN».
Alguns dos entrevistados pelo «L.A. Times» acham que o argumento telenoveleiro teve voltas a mais. Mas aprendeu-se muito.
A vida do juiz, dos advogados, dos jurados foi remexida ao mais íntimo pormenor, à procura de «esqueletos no armário». No último dia das alegações, um jornalista do «Washington Post» procurava pistas no aspecto dos emudecidos jurados. «A maioria chegou tão empertigada como o costume, nos seus fatos de ir à igreja. Mesmo o mais impaciente dos jurados, um negro de meia-idade que chegou a aparecer com um rebelde casaco de cabedal e óculos escuros, estava com um fato respeitável», lê-se.
«Mas esperem! Um dos latinos, normalmente impecável no vestir e que até usa lencinho no bolso do casaco do fato está de... camisola. Ei! E há outros dois que estão mais despreocupadamente vestidos do que o habitual. Que quererá isto dizer?» O jornalista interpelou um dos psicólogos que trabalham para a defesa (estes tentam perceber as reacções dos jurados pelas suas poucas expressões faciais, ou nos momentos em que tiram notas). Mas não foi dada nenhuma pista. É difícil, assim.
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