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<DOCNO>PUBLICO-19951004-132</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19951004-132</DOCID>
<DATE>19951004</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
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Certezas e dúvidas
Estou convencido de que O. J. Simpson é o autor dos dois homicídios. É uma convicção, naturalmente, subjectiva. Admito que, muito provavelmente, se tivesse analisado toda a prova que foi produzida em julgamento, estaria com dúvidas. E que me pronunciaria da mesma forma que o júri.
Não tenho dúvidas de que o funcionamento actual do sistema do júri em processos como o de O. J. Simpson apresenta gravíssimas falhas, que nos fazem duvidar da sua credibilidade e da sua capacidade de descobrir a verdade.
Basta pensar na forma como as questões rácicas se podem tornar determinantes. Basta pensar no absurdo que é a selecção de pessoas que ignorem tudo sobre o caso, como forma de garantir a sua imparcialidade e a sua pretensa isenção, e que, muito provavelmente, redunda na escolha de pessoas ignorantes e pouco informadas. Basta pensar no absurdo que é sequestrar 12 pessoas durante nove meses num motel, acabando-lhes com a sua vida normal, transformando-as em estranhíssimos «zombies» existenciais e que, muito provavelmente, redunda na escolha de pessoas menos activas e intervenientes na vida em sociedade -- seguramente, neste caso, pouco «iguais» ao réu.
Tudo factores que, inseridos na realidade político-social norte americana, em que o racismo, para além de não ter deixado de existir, passou a existir omnipresente como questão rácica, levantam sérias questões sobre a forma como funcionou o júri neste caso.
No entanto, a questão fundamental, neste processo como em qualquer outro, é a da existência de provas concludentes. E, se não tenho dúvidas de que a acusação apresentou uma montanha de provas, há que reconhecer que muitas delas foram arrasadas pela defesa. A acusação teve contra si uma das suas principais fonte de provas e que as manchou indelevelmente com a marca da mentira e do racismo: o detective Mark Fuhrman.
É praticamente impossível, sem ter acompanhado as audiências, analisar todos os argumentos apresentados pela acusação e pela defesa e chegar a uma conclusão definitiva, mas o que é certo é que o papel fundamental de Mark Fuhrman na descoberta da luva e do sangue se tornou seguramente num enorme embaraço para a acusação. E se a prova do ADN se revelou, por um lado, arrasadora para a defesa, a verdade é que a possibilidade de contaminação do sangue nos laboratórios policiais contrabalançou o peso de tal prova.
Pessoalmente, estou convencido de que O. J. Simpson é culpado, mas esta convicção subjectiva confronta-se com a decisão de um júri que analisou e ponderou todas as provas que ao longo de quase 300 dias lhe foram apresentadas e que concluiu não ter ficado provada a culpa de O. J. Simpson. Também acredito que assim tenha sido.
Francisco Teixeira da Mota
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