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<DOCNO>PUBLICO-19951009-030</DOCNO>
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<DATE>19951009</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>LF</AUTHOR>
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Grande dominador da época, ausente do Mundial de ciclismo
Jalabert visto por Hinault
Bernard Hinault*
Bernard Hinault seguiu com interesse a irresistível ascensão de Laurent Jalabert. Desde a clássica Paris-Nice à Vuelta, foi um espectador surpreso -- e depois entusiasta -- de uma época que veio concretizar o talento de um campeão. Ausente do Mundial de estrada, Laurent Jalabert deixa o seu nome no palmarés de 1995.
No início, como todo o mundo, fui surpreendido por Jalabert. Não pelas suas vitórias mas porque pensava que, após ter assinado pela Toshiba, ele tinha meios para vencer numerosas corridas. As qualidades de rolador-«sprinter» deviam assegurar-lhe inevitavelmente algum proveito. Mas, após a queda em Armentières, no ano passado, não acreditava que ele pudesse reencontrar-se tão rapidamente.
O primeiro sucesso na Paris-Nice, logo no início da temporada, permitiu-nos descobrir um potencial ainda insuspeito. Ele não era apenas um ciclista capaz de vencer etapas e susceptível de envergar a camisola verde da classificação por pontos. Com o sucesso na Paris-Nice, desenhava-se já o futuro vencedor da Volta à Espanha... Com o adeus do Inverno, Jalabert tornou-se em mais qualquer coisa do que apenas um rolador-«sprinter», potencial vencedor de clássicas: daí em diante, era capaz de vencer uma prova por etapas e isso foi uma total revelação para mim.
Depois, ele espantou-me verdadeiramente. Milan-San Remo, Liège-Bastogne-Liège, a etapa de Mende na Volta à França, dominador na Volta à Espanha. E o que me seduziu em Jalabert é esta capacidade de ser bom durante toda uma época. É um atleta que acabou com a ideia pré-concebida de que não se pode correr um ano inteiro ao mais alto nível. Provou que um grande campeão pode correr se souber gerir os seus objectivos. Estou convencido de que um corredor como Induráin também o poderia fazer. Se fosse essa a sua vontade ou se o deixassem, ele também ganharia belas clássicas.
Já me colocaram a seguinte questão: «O êxito de Jalabert era previsível?» Sou daqueles que pensam que ele poderia ter tido uma aparição mais precoce. Jalabert tinha capacidades para se afirmar há dois anos. Penso que tomou consciência tardia das qualidades que possui. Por outro lado, questiono-me se, sem a queda do ano passado, ele teria sido o Jalabert imperial desta época. Creio que ter estado à beira de ser um ciclista normal o fez tomar consciência que não tinha tempo a perder. Como um indivíduo que escapa à morte e compreende subitamente a importância da vida, o seu acidente fez despertar nele o desejo de se impor como campeão. O talento e o facto de pertencer a uma equipa fizeram despertar a sua confiança.
Hoje, o que permite a Jalabert fazer a diferença é a vontade de ganhar. Ele faz todas as provas com um prazer louco. Chamo a isso a espiral da vitória. Jalabert está ambicioso: quanto mais corremos mais ganhamos, mais temos vontade de correr e de ganhar. Ele descobre o prazer de dominar os outros. É por isso que eu o apoio, porque o vejo procurar o sucesso por todo o lado. De que lhe servia concentrar-se unicamente no Tour se uma queda pode aniquilar-lhe todas as ilusões? Ele ganhará o Tour quando chegar a hora. A par de Berzin, não é ele um dos mais jovens pretendentes à camisola amarela? Melhor para ele que se habitue a ganhar o máximo de provas. Repito, a sua hora vai chegar.
Poderia ter sido este ano? Não acho. Creio que deu o máximo. Agora, a questão é saber se conhece o seu próprio máximo. Não é certo. O que fez na Vuelta pode dar-lhe algumas ideias sobre o que poderá fazer no ano que vem. Apesar da sua bela vitória, a Volta à Espanha não tem nada a ver com a Volta à França. No Tour, vão estar todos os monstros. Na prova espanhola, faltavam algumas referências. De qualquer forma, creio que obteve nessa corrida uma boa dose de confiança suplementar. Agora sabe que é capaz de vencer uma prova por etapas. Será capaz de conseguir a mais bela? O teste vai surgir no próximo ano. Hoje, sou incapaz de dizer se ele possui as condições para vestir a camisola amarela até aos Campos Elísios.
Neste ano, terminou no quarto lugar do Tour. Portanto, com alguma lógica, poderá vencer um dia. Os progressos no contra-relógio são consistentes e passa bem na montanha. Com uma equipa a apoiá-lo, deve poder atacar a alta montanha com esperanças. Mas, para isso, deverá convencer-se de que é capaz. Em minha opinião, isso não deverá tardar se Jalabert possuir uma boa estrutura mental. Vimos o seu comportamento na etapa de Mende: se não tivesse essa estrutura mental, não teria recuperado tão depressa da queda em Armentières.
Jalabert é um campeão, pois as qualidades mentais são iguais às físicas. Não é um fanfarrão, ganha. Responde à provocação com uma vitória. Transmite a imagem de um grande campeão: inteligente, risonho, humilde e generoso... A maneira como deixou o alemão Dietz vencer a 12ª etapa da Volta à Espanha ultrapassou a imaginação. Mas esse gesto calou todos os que criticavam a Once de querer vencer tudo. Reforçou a sua popularidade e encontrou apoios no pelotão. Um dia, Dietz vai ajudá-lo, quem sabe, nos 10 metros que selem o destino de uma prova. Em todo o caso, esse gesto é o de um senhor.
Jalabert é um futuro Hinault? Não sei, mas desejo-o para o ciclismo francês. Por comparação comigo ou com um corredor como Merckx, talvez lhe falte alguma força física. Se tiver que o comparar com alguém, situo-o mais perto de Maertens: um grande ciclista de clássicas capaz de vencer a Volta à Itália e a Vuelta. Mas, repito-o, Jalabert não pára de nos surpreender e de se surpreender a si próprio. Não se lhe deve exigir nada. Não o condeno por não ter ido ao Mundial da Colômbia. Se ainda fosse na Europa... Mas fazer a viagem até à Colômbia poucos dias depois da Vuelta era uma aposta inútil. Por outro lado, o percurso, composto de repetitivas subidas e descidas, não é o mais adequado. Espero que ele termine bem a época e surja com o mesmo estado de espírito no ano que vem. E, como muitos, aguardo o Tour com uma real impaciência. Aí vamos poder avaliar os progressos de Jalabert e, se ele triunfar, esse grande campeão passará a ser um campeão excepcional.
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