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<DOCNO>PUBLICO-19951109-111</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19951109-111</DOCID>
<DATE>19951109</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
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António Barradas
«Fui obrigado a beber chá de hortelã»
António Cândido Gonçalves Barradas é, em Portugal, o homem de confiança dos alemães da Continental. Uma confiança estribada no conhecimento travado entre os germânicos e os portugueses da Mabor, empresa de Américo Amorim que negociaria as condições de uma «joint-venture» erguida em torno da Continental-Mabor, de Lousado. Sabe-se hoje que os alemães não apreciaram particularmente o casamento com o grupo português. E que chegaram a desesperar com o «feitio» dos operários lusos, pouco atreitos a aceitarem os métodos de trabalho e de organização germânicos.
A ligação entre a Continental e o grupo de Américo Amorim acabou por se desfazer, algumas cabeças rolaram no processo, a continuação da Continental em Portugal chegou a ser questionada... De toda esta confusão emerge António Barradas. Em poucos meses, agarrou um projecto que ameaçava ir ao fundo e deu-lhe novo fôlego, para alívio dos patrões alemães.
Tido como «inteligente» e com uma «extraordinária capacidade de trabalho», António Barradas não deixou fugir a oportunidade. Mas quem o conhece bem não acredita que se fique por aqui, mesmo que a subsidiária portuguesa da Continental continue sem problemas. É que Barradas «tem-se em muito boa conta» e «tem grandes objectivos na vida». Só assim se compreende, de resto, um percurso pessoal que se iniciou em Angola, onde nasceu há 46 anos, como inspector bancário.
Com 18 anos veio para Portugal e cedo se enfarinhou na gestão empresarial. Na Quinta do Lago, entre 1976 e 1979. Como administrador indicado pelo então Instituto de Participações do Estado em empresas de capital público -- Utic e Ipertex --, até 1987. Voltou ao sector privado em 1988, com responsabilidades de gestão numa empresa -- as Carnes Nobre -- de um sector radicalmente diferente, o que dá uma ideia da incomum versatilidade de António Barradas. Das carnes passou para os pneus, para a Mabor, e depois para a Continental, com uma passagem, entretanto, pela presidência da Associação dos Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA).
Licenciado em Finanças pelo ISCEF, actual Instituto Superior de Economia e Gestão, António Barradas é casado e tem dois filhos, de 13 e 15 anos.
Quem é o gestor que mais admira?
Lee Iacocca.
Como caracteriza, em duas palavras, os empresários e gestores nacionais?
De um modo geral, os empresários portugueses têm exactamente as mesmas qualidades e enfrentam problemas idênticos aos empresários e gestores de outros países. O atraso cultural e económico do país, e a pequena dimensão do mercado, não constituem pontos vantajosos para Portugal.
É verdade que em Portugal não se podem fazer negócios sem obter os bons serviços dos decisores públicos?
Não, não é verdade. Depende dos sectores onde esse negócio se desenvolve. Fazem-se negócios em Portugal sem a intervenção dos decisores públicos.
Qual foi o maior erro da sua carreira?
Não me recordo de qualquer erro de capital importância na minha carreira.
Qual foi o melhor investimento que já fez, ao nível pessoal ou profissional?
Na melhoria permanente do nível de conhecimentos, considerando a responsabilidade que tenho tido nas empresas que tenho dirigido.
Indique três acções («tiques») que efectue todas as manhãs quando chega ao seu gabinete, mesmo que até agora ainda não tivesse reparado nisso.
Posso apenas mencionar acções, não tiques:
a) analisar a agenda do dia;
b) restabelecer prioridades, se necessário;
c) definir com rigor os tempos, quer das reuniões quer dos telefonemas.
Quais os dois problemas que mais o preocupam no dia-a-dia?
a) Tomar uma decisão acertada, pelo menos uma por dia.
b) motivar as pessoas que trabalham comigo mais directamente.
Qual a frase, conceito ou ideia que mais vezes repete aos seus colaboradores?
Tentar fazer bem à primeira vez, sendo rigoroso na análise quando da apresentação dos seus trabalhos ou ideias, assumindo uma atitude pró-activa e não apenas reactiva.
Portugal é: uma dor de cabeça/ uma hipótese fantástica/ uma república das bananas/ um atraso de vida/ uma democracia de sucesso/ o único país em que gosta de viver?
É uma dor de cabeça e um país onde gosto de viver.
Gostava que no futuro o seu filho ocupasse a sua cadeira? Porquê?
Não, tanto quanto sei pretende ser estomatologista.
Qual o «opinion-maker» na área da economia que faz questão de ler/ouvir atentamente?
Luís Marques, do «Expresso». Jorge Jacinto, Antena 1.
Qual o episódio mais pitoresco ocorrido durante uma negociação em que tenha participado, em Portugal ou no estrangeiro?
No Egipto, mais propriamente no Cairo, na discussão de um contrato de fornecimento de autocarros em que passámos, eu e as pessoas que me acompanhavam, 14 horas fechados num escritório para concluir o negócio. A reunião foi interrompida várias vezes para orar e fui obrigado a beber chá de hortelã constantemente.
Imagine que Braga de Macedo voltava ao Ministério das Finanças. Qual a primeira medida que tomaria?
A hipótese é neste momento tão remota que não faz sentido pensar em qualquer medida.
Quem é o pior ministro do actual Governo? Porquê?
Aguardo os resultados da nova equipa que, a partir de agora, governará o país. Tenho dificuldades em aferir a eficiência das pessoas sem obtenção de resultados.
E o melhor? É capaz de justificar a escolha?
Julgo que qualquer novo ministro tem à partida capacidade teórica para vir a desenvolver um bom trabalho. Uma vez mais, deve aguardar-se os resultados e dar algum tempo às pessoas.
A decoração do seu gabinete agrada-lhe? É obra sua?
Agrada-me.
Em parte sim, mas feito tudo com a «prata da casa» e com a maior sobriedade.
Quando viaja em férias, deixa os seus contactos telefónicos à sua secretária ou consegue que ninguém saiba onde está?
Deixo. Há um conjunto de colaboradores que sabem sempre onde estou, para onde vou, quando parto e quando chego.
Tem preconceitos em vestir uma camisa cor-de-rosa?
Não.
Se lhe oferecessem uma gravata com o rato Mickey usava-a em reuniões de trabalho?
Não.
Revele três associações ou clubes de que é membro.
Associação Portuguesa de Economistas e Club Sportivo Nun'Álvares.
Qual a sua equipa de futebol favorita?
Sporting Clube de Portugal.
Qual o Desporto que mais aprecia? E aquele que pratica? Onde? Com quem?
Futebol.
Ténis, em geral com os amigos.
Qual o seu prato favorito? Faz questão de escolher pessoalmente o restaurante para um almoço de negócios? Diga-nos quais os seus dois restaurantes preferidos.
Arroz de pato.
Há já alguns anos que venho a evitar almoços de negócios, porque o tempo é cada vez mais escasso. No entanto, quando me é imprescindível, escolho pessoalmente em função do meu convidado.
Quais os dois últimos espectáculos públicos a que assistiu?
Um concerto de Maria João Pires e «A Criação» de Haydn.
Que livros está a ler?
«Verbatim», vol. III, 1988-91, de Jacques Attali, e «The death of economics», de Paul Ormerod.
Qual foi o livro que mais o marcou? E o autor de que mais gosta?
«A condição humana», de André Malraux.
Camilo Castelo Branco.
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