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<DOCNO>PUBLICO-19951112-089</DOCNO>
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<DATE>19951112</DATE>
<CATEGORY>Diversos</CATEGORY>
<AUTHOR>AB</AUTHOR>
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António Barreto
Retrato da Semana
Fui uns dias à Universidade da Califórnia, Berkeley, participar num seminário sobre os federalismos americano e europeu. Foi interessante, não só porque aprendi, mas também por ter tido a oportunidade de discutir, sem histerismos, o federalismo, teórico e prático, histórico ou futuro.
Esta ausência e uma quantidade enorme de fusos horários, mais um mal-estar, cujas causas não suspeito serem políticas, impedem-me de comentar o facto mais importante da semana, a apresentação do programa do Governo. Pelos jornais, sou informado de que Guterres e o Governo se saíram bem. Quanto à oposição social-democrata, os primeiros dois dias teriam sido de apatia; os dois últimos de contra-ataque. Mas fiquei com um ruído na cabeça, que não sei se é real ou resultado do «jet-lag». Parece que o PSD falou baixo e doce, a fim de «não prejudicar a candidatura de Cavaco Silva»!
O conteúdo político desta estratégia escapa-me totalmente. Quererão dizer os seus autores que necessitam do eleitorado socialista e, por isso, não se ataca o Governo? Ou pretenderão dizer que defender o legado de Cavaco Silva o pode prejudicar? Sinceramente, se alguém sofre de «jet-lag», são os dirigentes do PSD.
Bem sei que os mais conhecidos contributos americanos para a História da humanidade são a ciência, a tecnologia, a capacidade militar, o dólar, a distribuição, Nova Iorque, o cinema e outros sucessos similares. Mas, de cada vez que lá vou, regresso sempre com outra imagem. O que mais me fascina, o que mais me faz estremecer, são as árvores americanas. Sozinhas, em parque, bosque ou floresta. Nos montes e vales, na cidade ou no «campus». Talvez, nas florestas de Nova Inglaterra e em certas áreas dos Apalaches e das Rochosas, o deslumbramento, sobretudo outonal, seja maior. Mas, na Califórnia, também as há e das melhores, com sequóias e «redwood», ponderosas, abetos e pseudotsugas, ciprestes de Monterey e de Leyland, carvalhos e cedros de toda a espécie. Mesmo na cidade, entre arranha-céus ou prédios de menor porte, são comovedoras as habilidades que fazem, a fim de evitar derrubar árvores.
A chegada a Lisboa, por avião, é esclarecedora. Com excepção do parque de Monsanto, roído por todos os lados, pouco mais sobra. A travessia da cidade, do aeroporto até casa, é aterradora: árvores raquíticas, mal tratadas e mal regadas, arbustos miseráveis, parques sujos. E ninguém me diga que é do clima: basta ver algumas árvores decentes, por exemplo no Parque Eduardo VII, para perceber que é possível. Ou então, veja-se Madrid, com mais calores e secas do que Lisboa, e retire-se conclusões. Que causa misteriosa terá feito com que os portugueses detestem árvores? Eu já não peço aos meus contemporâneos prémios Nobel ou invenções arrasadoras: peço-lhes árvores e florestas. Até porque só trata bem das árvores quem tem cabeça, cultura e sentimentos para muito mais. Não é por desamor à Natureza que os portugueses não gostam de árvores: é por desrespeito pelos outros e por si próprios.
Antes de partir, tive Cavaco. À chegada, foi a vez de Sampaio. Apesar de serem só os exercícios de aquecimento, dá para perceber que as coisas começaram mal. Os candidatos não estão a ser francos. Não dizem tudo o que pensam. Não tomam compromissos. Não estão interessados em lutar por algo que valha a pena. Não estão disponíveis para um combate em que ponham o que têm de melhor, as suas convicções. Conheço os dois. Conhecemo-los todos. E sabemos que as exibições de boa educação abrangente, como eles dizem, escondem determinações. A não ser que ambos tenham abdicado de tudo quanto pensam, o que não acredito.
Os candidatos querem influenciar o Governo, discretamente, em gabinete, mas não dizem em nome de quê. Ora, sabemos que essa influência, mesmo às escondidas, se exerce em nome de ideais e desígnios. Garantem cooperar com o Governo, mas não dizem em que condições. Ora, não consigo imaginar que ambos estejam dispostos a colaborar com o Governo em quaisquer condições. Ambos prometem salvaguardar as instituições, o que é o menor dos seus deveres, mas esquecem desenhar os contornos do seu bom funcionamento. Ora, não me ocorre votar num candidato que apenas queira ser o «último recurso», em caso de crise. Nem creio que lhes passe pela cabeça serem só isso. Seria, pois, melhor, dizerem tudo.
Nas eleições legislativas, todos se transformaram em economistas. Agora, são juristas. Os candidatos só falam em poderes, competências, deveres de cooperação, direitos de veto, capacidade de dissolução, regras constitucionais e instituições. Leram todo o Canotilho e o Miranda todo. Mas não é para isso, ou não é sobretudo para isso, que se elege um Presidente da República. Estão cooperantes e passivos como flores de estufa. Por este andar, se fosse aritmeticamente possível, acabavam por perder os dois. O conteúdo político das duas candidaturas é, por enquanto, quase nulo. Querem votos pelos seus nomes e simpatias: é alguma coisa, mas pouco. Há uma espécie de eanismo no ar, o que não é saudável. Quero mais política. Exijo mais franqueza. Imploro mais inspiração.
Dizer que Portugal atravessa um momento crucial da sua História é uma banalidade repetida em todos os tempos, por todos os candidatos. Acontece que é sempre verdade. No entanto, o que importa é saber o que tem, em cada momento, relevância. Ora, actualmente, há temas quentes que convocam o país, a pátria, o Estado e a República. São temas que, tipicamente, deveriam determinar a melhor escolha do chefe de Estado. A União Europeia prepara-se para uma revisão profunda da sua própria constituição. As instituições nacionais vão ser repensadas. O poder e os direitos do povo vão ser redesenhados. As formas de expressão da soberania vão conhecer ajustamentos. O valor de um país vai ser reavaliado. A organização do Estado, a julgar pelas intenções do Governo, será remodelada. Os mecanismos fundamentais de expressão do voto serão alterados. A defesa nacional vai novamente conhecer transformações, desta vez mais profundas do que em qualquer momento das últimas décadas. Tudo isto vai ser feito, clara ou furtivamente, durante os próximos anos. Será que o Presidente da República não deve ter uma opinião? Será que não é obrigado a partilhar com os concidadãos o seu pensamento?
Custa-me, mas posso aceitar algumas regras de confidencialidade nas relações entre o Presidente da República, o Governo e o Parlamento. É o que se gasta cá em casa. Mas já não concebo dar o meu voto a um Presidente que não me comunica as suas convicções, justamente aquelas por que se vai bater nas conversas confidenciais, aquelas pelas quais vai influenciar o primeiro-ministro, às quintas-feiras, pelas três da tarde...
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