<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19951125-043</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19951125-043</DOCID>
<DATE>19951125</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JH</AUTHOR>
<TEXT>
Aldo Ajello, conselheiro de Butros-Ghali, ao PÚBLICO
ONU sem recursos para operações de paz
Jorge Heitor
Aldo Ajello, o homem que coordenou a aplicação da paz em Moçambique, é hoje conselheiro especial de Butros-Ghali para as iniciativas de paz. Tarefa difícil: o diplomata nota que muitos países são bastante lentos a disponibilizar os recursos humanos e financeiros de que as Nações Unidas necessitam para as suas operações.
Aldo Ajello, diplomata siciliano amigo de Mário Soares e representante do secretário-geral Butros Butros-Ghali em processos de normalização como o que decorreu em Moçambique, esteve a participar esta semana na XIII Conferência Internacional de Lisboa, organizada pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais. Num dos intervalos, falou-nos das dificuldades que se levantam à ONU nas suas tarefas de conseguir e de manter a paz.
PÚBLICO -- Que balanço faz da sua missão em Moçambique, desde a assinatura do acordo de paz, em 1992, até à realização das eleições presidenciais e legislativas, no ano passado?
ALDO AJELLO -- O balanço é muito positivo. Não havia, como noutras situações, um país contra outro, um grupo de países contra outro grupo ou contra as Nações Unidas. Havia uma posição única, muito clara. Não era o resultado de um milagre, mas de um trabalho que foi feito semana a semana, com reuniões da Comissão Especial de Controlo, de que Portugal fazia parte. A comunidade internacional estava a trabalhar junta. Quando era preciso aprovar um documento no Conselho de Segurança, havia um trabalho preparatório feito em Maputo com todos os embaixadores interessados.
P. -- Apesar de tudo, ainda há poucas semanas surgiram rumores de que a Renamo teria armas preparadas, teria esconderijos, havendo portanto uma vaga hipótese de regresso à guerra civil. Acredita nisso?
R. -- Creio que não. Falei com alguns amigos em Moçambique, falei a um nível político muito alto, e concluí que o que se disse era um completo disparate, sem consistência. O vice-presidente sul-africano Thabo Mbeki visitou Moçambique e também ficou com a sensação de que não havia nada de concreto. Creio que a situação política está bastante sólida. O trabalho não terminou por completo.
P. -- A democratização de uma sociedade não se faz de um ano para o outro...
R. -- As eleições são o ponto de partida, não o ponto de chegada. Depois delas é necessário consolidar os órgãos democráticos. É muito importante que funcionem correctamente e que haja uma definição clara das funções do Parlamento, do Governo e do poder judicial. E se queremos uma democracia multipartidária temos também de garantir o financiamento e a sobrevivência dos partidos políticos.
P. -- Tem havido uma certa dificuldade da Renamo em se transformar de movimento armado em partido político?
R. -- A transformação ocorreu bem. O problema é a sobrevivência depois do momento eleitoral, é a economia do país. O sector privado não tem recursos suficientes para alimentar um sistema multipartidário.
P. -- A economia de Moçambique pode beneficiar da adesão à Commonwealth?
R. -- Não sei, não creio que isso vá alterar muito o desenvolvimento do país. Mas o importante é que há uma lei que garante o financiamento público dos partidos políticos; e importa também que a comunidade internacional está pronta a ajudar o financiamento desses mesmos partidos.
P. -- Deixando agora Moçambique, fale-nos do seu papel mais recente como conselheiro especial do secretário-geral das Nações Unidas para as iniciativas de paz.
R. -- Depois de Maputo, fui ao Tadjiquistão negociar a extensão do acordo de cessar-fogo e continuar a negociação do acordo de paz; passei algum tempo na região dos Grandes Lagos, à procura de uma solução mais regional para o problema do Ruanda e do Burundi; e fui à Arménia e ao Azerbaijão observar um pouco o problema do Nagorno-Karabakh, onde as Nações Unidas estão a apoiar o grupo de Minsk na obtenção e manutenção da paz. É o típico exemplo de uma organização regional que está a fazer a manutenção da paz.
Dificuldades nos Grandes Lagos
P. -- No caso dos Grandes Lagos a situação é particularmente difícil, porque alguns dos regimes manifestam reservas quanto à possibilidade de a ONU organizar uma conferência para a paz e a segurança na região. O regime ugandês, por exemplo, prefere a mediação de personalidades como os antigos presidentes Jimmy Carter e Julius Nyerere e o arcebispo Desmond Tutu.
R. -- É um facto que o Presidente do Uganda prefere essa via. A ideia não é má. A personalidade dessas pessoas é muito forte e pode constituir a base para uma conferência; não é necessário que sejam as Nações Unidas a organizá-la.
P. -- Vai haver já na próxima semana uma conferência no Cairo, patrocinada por Carter. Acredita que daí resulte alguma coisa?
R. -- É um passo em frente. Vamos a ver como conseguimos construir a partir dessa base.
P. -- Uma dificuldade muito grande é a do regresso e da reintegração de milhões de refugiados ruandeses...
R. -- Há obstáculos internos no Ruanda, por falta de segurança; e obstáculos externos, porque nos campos de refugiados há uma forte pressão para que não regressem, porque os responsáveis do genocídio do ano passado querem manter as populações fora, para criar um grande problema.
P. -- Como é que estamos quanto ao funcionamento do tribunal internacional que deveria julgar os responsáveis pelo genocídio?
R. -- O tribunal é um elemento importante do papel de solução do problema ruandês, mas o tempo de criação do tribunal foi muito longo, como infelizmente acontece com muitas coisas que se fazem nas Nações Unidas. Não é naturalmente sempre responsabilidade da burocracia da ONU, pois também se deve à reacção muito lenta dos países que têm de disponibilizar recursos humanos e financeiros; e há problemas técnicos muito sérios.
P. -- Está-me a dizer que há uma certa discrepância entre o que os países querem das Nações Unidas e a disponibilização que fazem de recursos humanos e financeiros para esse fim?
R. -- É um problema muito grande e vai verificar-se também quando as missões de manutenção da paz passarem a ser geridas por organizações regionais, mas esperemos que seja menos grave.
P. -- Está previsto que muitas dessas missões passem de facto a ser geridas por organizações regionais?.
R. -- Está previsto que vamos estudar um quadro de cooperação entre as Nações Unidas e organizações regionais, para diminuir um pouco a carga de trabalho que a ONU actualmente tem.
P. -- Mas há organizações regionais, como a de Unidade Africana (OUA), que não são muito efectivas, apesar do elevado número dos seus membros...
R. -- Alguns dos participantes na XIII Conferência Internacional de Lisboa examinaram a possibilidade de também organizações sub-regionais, como a SADC [coordenadora do desenvolvimento na África Austral], serem introduzidas neste trabalho.
</TEXT>
</DOC>