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<DOCNO>PUBLICO-19951207-036</DOCNO>
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<DATE>19951207</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
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Chirac e Kohl encontram-se em Baden-Baden para lançar «nova iniciativa» europeia
Como salvar a Europa das ruas de Paris
Teresa de Sousa
Ao contrário do general De Gaulle, em Maio de 1968, Chirac não leva bagagem para uma longa estada em Baden-Baden -- a cidade da Floresta Negra onde hoje se encontra com o chanceler alemão. Ficará por poucas horas para tentar mostrar que o «motor» franco-alemão ainda trabalha. Mas o futuro da União Europeia joga-se, hoje, muito mais nas ruas da capital francesa do que na tranquilidade da velha cidade termal onde o general Massu disse a De Gaulle ser ele o único homem capaz de salvar a França. Kohl dirá mais modestamente a Chirac que é preciso, apenas, que Paris saiba o que quer.
Hervé de Charette, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, prometeu alto e bom som que Paris e Bona iriam «surpreender toda a gente» na cimeira de Baden-Baden que hoje reúne, no Sul da Alemanha, o Presidente Jacques Chirac e o chanceler Helmut Kohl. Mas, com as ruas parisienses transformadas em campo de batalha contra as reformas que podem conduzir a França aos seus compromissos europeus, só um visceral optimista poderá imaginar que a «locomotiva» europeia, mesmo que conduzida pelo experiente chanceler alemão, consiga avançar pelo meio dos destroços.
Ironia das coisas: foi a Baden-Baden, uma tranquila cidade termal alemã no coração da Floresta Negra, não muito distante da fronteira francesa, que se dirigiu secretamente o general De Gaulle para consultar o general Massu, comandante das tropas francesas estacionadas na Alemanha, em plena crise de Maio de 1968.
Desta vez, a deslocação de Chirac não é secreta nem consta que ele leve consigo, como De Gaulle, bagagem para uma longa estada. Nem se imagina que o chanceler Kohl, repetindo o general Massu, lhe diga que ele é o único homem capaz de salvar a França. Apenas lhe pedirá, mais modestamente, que tente salvar a moeda única e não desista da União Europeia.
Por maior que seja a expectativa que rodeia esta cimeira franco-alemã -- destinada oficialmente a preparar o Conselho Europeu de Madrid e a lançar (mais uma) iniciativa do eixo Paris-Bona para dar o sinal de partida para a conferência intergovernamental de 1996, que deverá rever Maastricht --, pouca gente acredita que ela produza algo mais do que as habituais palavras de confiança no futuro da União e de renovação do compromisso entre Paris e Bona para fazer funcionar o «motor» da construção europeia.
Naturalmente, os dois protagonistas -- o errático e temperamental Chirac e o tranquilo e poderoso Kohl -- tentarão tirar proveito do acontecimento para dirigir, às respectivas opiniões públicas nacionais, algumas mensagens mais tranquilizadoras quanto aos benefícios directos que podem ainda esperar de uma União em que descrêem e do grande objectivo da moeda única. Vão colocar o combate ao desemprego à cabeça das suas preocupações, vão dramatizar a tragédia da Bósnia ou a nova esperança de paz, para alertar as consciências para os riscos do regresso a um passado que nenhum dos países quer reviver.
Ambos talvez já tenham percebido que não é com números abstractos sobre o défice, a inflação ou a dívida que alguma vez conseguirão mobilizar os europeus. E que sem estes não haverá certamente Europa.
Da parte do chanceler, haverá a máxima prudência e toda a boa vontade. Bona está pacientemente à espera, desde as eleições presidenciais de Maio, de que Paris esclareça o que quer da Europa. Kohl parece mesmo disposto a baixar a fasquia dos seus objectivos para a reforma de Maastricht, desde que se encontre um entendimento mínimo mas construtivo, que não ponha em causa a moeda única e permita, de alguma forma, dar os primeiros passos no sentido do alargamento da Comunidade a leste.
Mas o infernal batuque de Jacques Chirac desde que deu entrada no Palácio do Eliseu, por mais ruidoso e teatral que seja, ainda não consegue traduzir-se em nada de substancialmente explícito quanto ao caminho que a França propõe para a União Europeia.
Pelo contrário, a decisão unilateral de Paris sobre os ensaios nucleares no Pacífico Sul, dando-se ares de «grande potência» incompreendida (quando a Europa procura entender-se sobre uma política externa e de defesa comum), ou as objecções levantadas, em tom de indisfarçável ciúme, a alguns pormenores dos acordos de Dayton apenas reforçam os factores de desconfiança e de perturbação entre os seus parceiros da União, e muito particularmente na Alemanha. Kohl apoiou firmemente a iniciativa americana para a Bósnia e teve de enfrentar uma opinião pública interna profundamente antinuclear para manter uma fachada de solidariedade com Paris.
Braço-de-ferro
É verdade que a recente substituição de Alain Juppé por Alain Juppé na chefia do Governo francês significou, pelo menos, que Paris estava disposta a não pôr em causa as políticas de rigor seguidas nos últimos dez anos para conseguir levar o país a cumprir os critérios macroeconómicos necessários à passagem à terceira fase da moeda única.
Mas, ou porque a viragem da política económica veio tarde de mais ou porque foi mal explicada a uma opinião pública desconfiada dos benefícios de Maastricht e da UEM desde o dramático referendo de 1992, ninguém sabe ainda qual o destino das últimas reformas do Governo. Se forem rejeitadas, a crise política vai repercutir-se na Europa em ondas de choque de consequências imprevisíveis. E é isso que Bona teme em primeiro lugar (ver artigo nesta página).
Confrontado com a própria reacção interna à perspectiva da perda do marco, condenado a aceitar que a conferência intergovernamental para rever Maastricht veja os seus ambiciosos objectivos reduzidos a uma reforma mínima do tratado, sem nada para oferecer à opinião publica alemã a não ser a sua própria fé em que o destino do país apenas se pode cumprir tranquilamente dentro da União, o chanceler pouco mais tem para oferecer ao Presidente da França do que a sua paciência e, porventura, uma pequena redução das taxas de juro do Bundesbank.
Mas já nada poderá disfarçar -- nem as belas fotografias de família, para as quais o temperamental Jacques Chirac dificilmente consegue oferecer a pose presidencial de um François Mitterrand -- as profundas divergências que se cavam progressivamente entre as perspectivas que ambos têm para o futuro da Europa.
Que iniciativa?
«Em Baden-Baden nós vamos afirmar a necessidade absoluta de relançar o motor franco-alemão e não apenas para 1996», dizia ontem à France Presse um diplomata francês. E a prova maior será a nova «iniciativa conjunta» de Paris e Bona -- em forma de carta, repetindo a fórmula escolhida por Kohl e Mitterrand, no Verão de 1990, para lançar as reformas que conduziram a Maastricht -- para dar sentido à conferência intergovernamental do próximo ano.
A carta-iniciativa -- cujo conteúdo exacto é difícil de imaginar -- será, segundo Paris, «curta, precisa e substancial». Anda, no entanto, a ser preparada em sucessivas reuniões ministeriais desde o início de Novembro e, para além de algumas frases retóricas deixadas cair pelo Quai d'Orsay, desconhecem-se as suas ideias essenciais.
Imagina-se, em contrapartida, que o exercício não terá sido fácil. A França -- que ainda não foi capaz de dizer o que quer exactamente da reforma de Maastricht -- aceita algumas das propostas de alteração institucional apresentadas pela Alemanha (facilitar as decisões por maioria qualificada, reforçar o peso dos votos dos grandes países no Conselho, encontrar um sistema mais eficaz para as presidências, rever o número de comissários, etc.), com vista a permitir que as principais instituições da União tenham condições para receber novos membros sem correr o risco de paralisar.
Mas sobre tudo aquilo que, nas propostas da Alemanha (e também da Espanha ou do Benelux ou da Itália), vai no sentido de avançar progressivamente para a comunitarização da PESC (generalizando as maiorias qualificadas ao II Pilar) ou das chamadas políticas internas (do III Pilar), ou da integração da UEO na UE de maneira a conferir alguma credibilidade a uma política externa absolutamente incipiente, a França hesita, evita ou não tem posição.
Se Bona quer reforçar a componente federal da União, Paris parece querer defender ou mesmo reforçar a componente intergovernamental. Se Bona gostaria de ver aumentados os poderes do Parlamento Europeu, Paris, se pudesse, fá-lo-ia desaparecer do mapa.
E, se ambas as capitais reconhecem publicamente que o alargamento aos países da Europa Central e de Leste é inevitável, a França procura esfriar os entusiasmos da Alemanha -- desta vez já não com a «desculpa» mitterrandista de que, antes de alargar, é necessário aprofundar, mas apenas contando os milhões da PAC ou temendo a abertura dos mercados.
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