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<DOCNO>PUBLICO-19951213-010</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19951213-010</DOCID>
<DATE>19951213</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>LF</AUTHOR>
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Haja vergonha
Luís Francisco
Os oitenta mil contos do aditamento ao contrato de cedência dos jogadores Iuran, Kulkov e Mostovoi começaram por não existir na versão oficial. Essa é a primeira verdade desconfortável para os dirigentes do Benfica. Depois, passaram a existir, mas em numerário e, portanto, difíceis de localizar na contabilidade do clube -- tão difíceis que nem aparecem nas contas do ano a que diziam respeito, o de 1994. Alguns dias depois, sabe-se que, afinal, o aditamento foi pago por transferência bancária e não foi creditado nas contas do Benfica, mas sim na do «dr. Augusto Martins», que não é funcionário nem dirigente da Luz. Só que, voltam a garantir os responsáveis «encarnados», a verba entrou no clube. Para fazer face a «despesas confidenciais», garantem.
Nem valerá a pena questionar o despautério desta justificação. O que apetece dizer é que, depois de todas as verdades falsas, omissões duvidosas e emendas desconchavadas, já ninguém acredita nos dirigentes do Benfica. A verdade é uma coisa muito bonita porque é simples, directa, única e evidente. Para os lados da Luz, a tão propalada verdade sobre este caso do meio milhão de dólares é sinuosa, escorregadia, muda com o tempo e rodopia como um catavento em noite de temporal.
Será que alguma vez os dirigentes do Benfica vão explicar de forma credível como, e onde, entrou o dinheiro nos cofres da Luz? Ou, agarrados à versão das «despesas confidenciais», vão encetar uma fuga para a frente e transformar em «persona non grata» todos os que duvidarem da sua «honestidade» arrancada a ferros? Se o fizerem, terão pela frente uma pesada tarefa na elaboração do seu «índex»: haverá alguém no mundo que tenha a dose suficiente de boa vontade ou ingenuidade para acreditar que se leve meses a elucidar os sócios do Benfica sobre uma operação financeira tão simples?
Ontem, o presidente da mesa da assembleia geral do Benfica, José António Martinez, afirmou que a notícia do PÚBLICO que dava conta do rumo do cheque de meio milhão de dólares pelas contas do «dr. Augusto Martins» continha «imprecisões e inverdades». Não disse quais, como seria de esperar, porque -- a avaliar pela velocidade de circulação deste tipo de esclarecimentos na Luz -- ainda deverá ser cedo para os sócios, esses anónimos pagantes que sustentam o protagonismo mediático dos dirigentes, serem merecedores de perceber o que se passou.
Do estalinismo dizia-se que tinha conseguido retirar à história o estatuto de ciência exacta. Pelos vistos, as coincidências entre o antigo regime soviético e o mais popular clube português não se esgotam na cor da sua predilecção...
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