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<DOCNO>PUBLICO-19951216-010</DOCNO>
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<DATE>19951216</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
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Centenário do cinema em Serralves
O director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa, abre hoje, na Casa de Serralves, o colóquio que a fundação portuense dedica à passagem do primeiro centenário do cinema. A iniciativa decorre ao longo de dois dias e verá debatidas, entre outros temas, as relações do cinema com a História, a música e as artes plásticas. Para além de Bénard da Costa, participam no colóquio os realizadores Manoel de Oliveira e João Canijo, o maestro António Victorino d'Almeida e o líder dos GNR, Rui Reininho, o actores Maria Barroso, Luís Miguel Cintra e Isabel de Castro, o realizador de cinema de animação Abi Feijó, o membro da direcção do Cinanima António Cavacas, os escritores Agustina Bessa Luís e Eduardo Prado Coelho, o pintor Ângelo de Sousa e o crítico e director artístico da Fundação, Fernando Pernes. A moderação das intervenções e debates estará a cargo do crítico portuense A. Roma Torres. d01 5417
Tribunal de Justiça europeu decidiu a favor de Bosman
David venceu Golias
Francisco J. Marques*
Nunca mais o futebol na Europa Ocidental será o mesmo. Como se previa, o Tribunal Europeu deu razão a Bosman e, a partir de ontem, as transferências entre estados comunitários são gratuitas. Os futebolistas estão satisfeitos, enquanto as federações nacionais lamentam e anunciam tempos catastróficos para o futebol.
O Tribunal Europeu de Justiça considerou ontem ilegal o sistema de transferência de jogadores de futebol, dando assim razão ao futebolista belga Jean-Marc Bosman, que há cinco anos interpôs uma acção judicial. A decisão foi comunicada pelo juiz Gil Carlos Rodriguez Iglesias, que confirmou as conclusões defendidas em Setembro pelo advogado geral do tribunal, Carl Otto Lenz. Na fundamentação da decisão, o juiz presidente do tribunal considerou as regras de transferência um entrave à livre circulação de trabalhadores, o que vai contra o Artigo 48 do Tratado de Roma, fundador da Comunidade Europeia. O acórdão do tribunal não poderá ser invocado em relação a obrigações nascidas antes de ontem -- os efeitos da decisão têm só efeito para situações futuras.
Esta decisão, já esperada, foi bem recebida pela generalidade das associações de jogadores e criticada pela FIFA, UEFA e federações nacionais. Em conferência de imprensa, Bosman não escondia a satisfação: «Hoje chegámos ao cimo da montanha. É necessária a união dos jogadores para conseguir normas mais justas», afirmou o futebolista, que, depois, se disse disposto a trabalhar na defesa dos direitos dos atletas profissionais. Bosman vai ser homenageado no dia 14 de Abril num jogo amigável em Málaga, entre uma selecção europeia e outra do resto do Mundo, uma partida organizada pela FIFPRO (Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais), ele que contou com o apoio de diversas organizações de jogadores, entre as quais se incluiu o sindicato português.
O futebol na Europa Ocidental nunca mais será o mesmo. Com a decisão do Tribunal Europeu, as transferências de jogadores em fim de contrato de um Estado-membro da UE para outro são livres, não tendo o clube de destino que pagar qualquer verba à anterior equipa. Já o mesmo não acontece em relação a transferências dentro de um mesmo país. Esta é, pelo menos, a interpretação generalizada dos agentes do futebol do acórdão. Curiosamente, é diferente a de José Couceiro, presidente do Sindicato de Jogadores português, que esteve ontem no Luxemburgo a assistir à leitura do acórdão e que, contactado telefonicamente pelo PÚBLICO, considerou que a decisão afecta também as transferências dentro de um país, pois trata-se de espaço comunitário. Couceiro disse-se ainda muito satisfeito com a decisão do tribunal, acusando a UEFA e a FIFA de prepotência: «Congratulamo-nos com esta decisão. Estávamos há muito a lutar contra as prepotências da UEFA e da FIFA, que nunca quiseram dialogar».
Quanto às implicações nos futebolistas portugueses, Couceiro acha que até tirarão benefícios: «Na I Divisão, só há seis jogadores comunitários e apenas um de primeiro plano. Não há perigo de invasão de jogadores comunitários. Há, isso sim, um mercado mais vasto para os futebolistas portugueses». Couceiro não recusa negociações futuras entre a UEFA e a UE para se encontrar uma fórmula que satisfaça todas as partes.
À cabeça da contestação da decisão do Tribunal esteve a FIFA. Em comunicado, refere que «a decisão não afecta mais do que 18 federações de um total de 193 e que o sistema actual se vai manter no resto do mundo». De entre as reacções negativas das federações nacionais, destaque para a do vice-presidente da federação alemã, Mayer-Vorfelder: «Avizinham-se tempos difíceis para o futebol alemão. As consequências serão catastróficas, com muitos clubes ameaçados de falência». Já Graham Kelly, director executivo da federação inglesa, apelou à negociação: «Espero que os sindicatos de jogadores e a UEFA negoceiam tranquilamente uma alteração ao regulamento de transferências».
Contra a corrente foi a reacção de Donald Findlay, vice-presidente do Glasgow Rangers, que se disse satisfeito por finalmente a sua equipa poder utilizar simultaneamente todos os estrangeiros do plantel: «Era uma fantasia esperar ganhar uma competição europeia com 11 jogadores escoceses».
Em consequência da decisão do Tribunal, nos 15 países da União Europeia (18 federações nacionais, já que a Grã-Bretanha tem quatro -- Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda do Norte), deixa também de haver limite ao número de jogadores nascidos no espaço comunitário. Ou seja, no caso português, o guarda-redes Preud'homme, de nacionalidade belga, deixará de contar como estrangeiro. Na I Divisão portuguesa, alinham apenas seis jogadores comunitários: Preud'homme, o holandês Jimmy, do Campomaiorense, e os quatro espanhóis do Chaves (Toniño, Dani Diaz, Zé Maria e Miner). O Chaves é o grande beneficiado no nosso país com esta nova legislação.
Recorde-se que o caso Bosman, actual jogador do Visé, da IV Divisão belga, iniciou-se em Junho de 1990, quando o antigo internacional júnior terminou contrato com o FC Liège e foi impedido de se transferir para o Dunquerque (da II Divisão francesa) por os clubes não terem chegado a acordo de verbas. Bosman apelou depois à justiça comunitária e a batalha judicial terminou ontem com uma decisão favorável ao atleta e da qual não há recurso.
*com AFP e Reuters d01cx01 5096
Reunião do Comité Executivo dominada pelo «caso Bosman»
A resignação da UEFA
Resignado mas pouco convencido -- este pareceu ser o estado de espírito de Lennart Johansson, o sueco que preside à UEFA, acerca do veredicto relativo ao «caso Bosman». Consciente de que esta resolução do Tribunal Europeu vai criar vários problemas a clubes e a federações, Johansson não quis, contudo, especular acerca das implicações a longo prazo. «Há consequências que ainda não podemos avaliar. Pode ter acabado um sistema de transferências que deu bons resultados durante séculos, mas não temos de ser pessimistas. Onde há um problema, há sempre uma solução», diz. O que é certo é que, caso um clube o queira, pode alinhar com 11 estrangeiros já neste fim-de-semana. Desde que, é claro, sejam oriundos de países comunitários.
A sala estava a abarrotar de jornalistas, o que reflectia não só a aproximação do sorteio da fase final do Euro-96 como também a existência de uma matéria quente sobre a mesa. Johansson foi o primeiro a reparar. Pediu uns segundos para falar de outras decisões do Comité Executivo e logo se colocou à disposição de toda a gente para esclarecer qual era a posição da UEFA no caso em que saiu derrotada por Jean Marc Bosman. «Ainda temos de analisar melhor o veredicto, mas é claro para todos nós que teremos de adaptar-nos a uma nova realidade, como já fazemos há tanto tempo», começou por dizer, no seu peculiar tom sonolento, o presidente da UEFA.
«Há aqui duas questões: o sistema de transferências e a limitação do número de estrangeiros nas provas oficiais. O Tribunal Europeu disse que não é permitido receber uma indemnização quando um jogador se transfere de um clube comunitário para outro, mas a UEFA representa 49 países e não apenas as 18 associações de países membros da Comunidade Europeia. E é difícil ter esse estatuto excepcional para os comunitários», continuou Johansson, explicando a seguir que, para a UEFA, «é possível manter os sistemas de transferências nos mercados internos» e «a limitação de estrangeiros não afecta o actual sistema de 3++++2 [três estrangeiros e dois assimilados] já em vigor nas competições internacionais». «Embora isso ainda tenha que ser bem estudado pelos nossos advogados», esclareceu.
O escocês David Will, o membro do Comité Executivo que tem tido em mãos o «caso Bosman», diz que assim é. «A decisão refere-se apenas a transferências internacionais e não às mudanças de clube dentro de um mesmo estado. A dúvida, que alguém vai ter de esclarecer, tem a ver com um caso curioso: o Reino Unido é só um Estado, mas tem quatro federações nacionais. Podem elas ter cada uma o seu sistema de transferências? Não sei», disse Will, para quem é claro que «só as competições nacionais serão afectadas pela abolição da regra que limita o número de estrangeiros. O veredicto reconhece que, por razões desportivas, podem continuar as restrições ao número de estrangeiros em provas internacionais. Ora estas limitações devem-se a razões desportivas e não financeiras», sublinhou Will.
Uma coisa é certa: não há direito de apelo e a UEFA terá de aceitar esta decisão a partir de hoje. O que levanta outra questão. E, se um clube decidir, já este fim-de-semana, jogar com um número de estrangeiros comunitários acima das regras do seu campeonato nacional, corre riscos de perder o jogo na secretaria? Aparentemente não. Diz David Will que «uma federação nacional que o proíba está a violar a lei». Antonio Matarrese, presidente da Federação italiana, foi mesmo questionado acerca de um caso concreto: e se o Milan o fizer já no domingo? A melhor resposta que conseguiu articular foi um irónico «não acredito que o faça».
Um dos maiores riscos para o futebol é o desencorajamento da formação de jovens pelos clubes pequenos e o prejuízo das selecções nacionais. Fala-se na transformação dos grandes clubes em clubes ainda maiores e no desaparecimento dos pequenos. A partir de agora, será fácil aos grupos mais poderosos ir buscar os jogadores que lhe interessam: só precisam de esperar que terminem os contratos em vigor e pagar-lhes ordenados superiores. Johansson diz preferir não «especular com essas hipóteses». «Até porque qualquer rua tem sempre dois lados: esses clubes pagaram milhões por alguns jogadores que agora poderão sair de borla», concluiu.
Para trás tinha ficado o anúncio dos temas inicialmente previstos. A final da Taça das Taças será jogada no Estádio Rei Balduíno, em Bruxelas, e a da Liga dos Campeões no Olímpico de Roma. A Inglaterra perdeu o lugar extra que ganhara na Taça UEFA (devido a ter comandado a classificação de «fair-play»), por causa do comportamento dos adeptos do Tottenham e do Wimbledon na Taça UEFA-Intertoto. E foi aprovada a proposta que sugeria a entrada de 119 equipas na próxima Taça UEFA, com cada federação a ter direito a, pelo menos, um lugar, as vagas vindas da Taça Intertoto a aumentarem para três e a introdução de mais uma eliminatória no princípio da época. Decisões de alguma importância totalmente ofuscadas pelo «caso Bosman». «É a vida», disse Johansson.
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