Engenheiro Daniel Brito e Cunha
Muito boa tarde. Estive a ler estes documentos que me foram dados esta manhã e encontrei aqui algumas similitudes com aquilo que observámos nos últimos 10 anos aqui em Portugal na área da investigação linguística sobre as Línguas Gestuais: falta de transparência, ausência de comunicação e diálogo. Isto é uma situação que me tem deixado muito consternado, porque ao longo destes 10 anos se desperdiçaram muitas oportunidades para se fazer uma investigação linguística aprofundada sobre a Língua Gestual Portuguesa. Resta-me portanto a esperança de que com este encontro se consiga dar uma volta à situação, encontrar o bom caminho.
Agora, há outra coisa importante que também vou referir e acrescentar. Tem-se falado muito da Língua Gestual. A Língua Gestual é importante para um surdo, mesmo para mim próprio que domino, como bem vêem, o Português verbal. Através da Língua Gestual, eu já consegui ensinar coisas na Química e na Física Elementar, quase só com as mãos. Mas não devemos pensar que aqui em Portugal uma pessoa surda possa viver integrada na comunidade só com a Língua Gestual. Não! Há uma grande diferença e há muitos equívocos. Portugal por exemplo é um país muito pequeno. A sua população surda nunca pode ser vista como aquilo que se chama, na perfeita acepção do termo, uma comunidade linguística. Nos Estados Unidos da América, um surdo pode ir falar com um advogado surdo ou ouvinte, mas que sabe bem a língua gestual, pode ir falar com um médico, pode encontrar-se emprego. É quase a mesma coisa que se passa com as comunidades portuguesas que vivem nos Estados Unidos da América. Lá, como sabemos, há portugueses que passam lá toda a vida sem falarem o Inglês. Portanto, aqui em Portugal há uma grande realidade: por muito que se faça pela Língua Gestual Portuguesa, há uma coisa que ninguém pode esquecer: uma pessoa surda precisa de aprender a Língua Portuguesa , precisa mesmo. Eu posso falar por mim. Não sei falar inglês absolutamente nada, mas sou capaz de estar à vontade em qualquer ponto do mundo onde se fale o Inglês. Porquê? Porque sei ler e escrever Inglês. É a mesma coisa que podemos ver relativamente a uma pessoa surda. É fundamental que se continue a desenvolver esforços para conseguir melhorar o ensino e eu considero que as tecnologias de informação podem dar um grande apoio. Com isto, não pretendemos substituir o professor de português por computadores, não, mas descobrir formas imaginativas, ideias criativas e há mesmo muitas. Ainda há uns três anos estive numa reunião da União Europeia em Bruxelas, onde assisti a uma demonstração que ajudava muito uma criança surda a perceber melhor o tempo dos verbos. Isso já foi há três anos. De há dez anos para cá, olho à minha volta, o que é que vejo aqui em Portugal? Está tudo na mesma. Portanto, eu estou aqui para tentar sensibilizar a comunidade científica para também pensar nestas coisas, na grande importância que há de conseguir que uma pessoa surda saiba ler e perceber textos em Português. Porque também há outra coisa. Eu por exemplo não percebo nada do que vem na T.V. sem legendas, e as pessoas não podem imaginar como é a minha frustração, o que eu próprio sofro quando me vejo diante da televisão, quero saber o que se está a dizer, preciso mesmo de saber e não consigo saber nada. O mesmo que se passa comigo é com muitas pessoas surdas. A existência de textos escritos contribui poderosamente para ajudar os surdos a perceber melhor o português. É tudo o que eu digo. Muito obrigado.
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