Doutor Fernando Pereira - Director do Machine Learning and Information Retrieval Research Department da AT&T Labs

Isto é um comentário que continua o de Hans Uszkoreit e também tenta responder a esta pergunta que foi feita imediatamente agora e a uma pergunta anterior.

Parece-me muito importante separar claramente os objectivos de diferentes áreas de investigação e de diferentes projectos de investigação. Em particular, é preciso ter uma atitude realista quanto aos financiamentos que são potencialmente disponíveis para diferentes áreas.Quando se fala de áreas científicas mais fundamentais, em contraste com áreas de aplicação, áreas de engenharia, digamos assim, é tipicamente o caso que os financiamentos disponíveis para a ciência são uma fracção relativamente pequena dos financiamentos disponíveis para a engenharia. Por várias razões. Uma das razões é claro que a engenharia está mais próxima de necessidades económicas e sociais e portanto, o investimento é mais fácil de justificar. Mas a outra razão é que simplesmente os custos são muito maiores em engenharia, em que se tem que produzir um sistema que funciona numa situação real, numa situação de mercado em que há muitos detalhes, muitas irritações técnicas que não são de interesse científico, mas que é necessário resolver, para ter algo que seja de valor. Portanto, um problema que por vezes ocorre é que pessoas cujo interesse é científico, e isso é um interesse de grande valor, tendem a tentar atrelar-se a áreas mais de engenharia, de modo a terem a vantagem de fazer ciência com o tipo de financiamentos que é dado à engenharia. E de facto, na verdade isto não é possível. Se nós vemos o tipo de financiamentos que têm estado disponíveis, por exemplo na União Europeia ou nos Estados Unidos, para a área do processamento da língua natural, esses financiamentos estão disponíveis porque se vê· porque os financiadores vêem um potencial económico e social importante e imediato – quando eu digo imediato, a dois ou três anos – e estão a tentar extrair esse potencial. Portanto, o tipo de ambição que se vê, há companhias como a Microsoft ou como a AT&T ou como a IBM, que estão a investir nesta área. É preciso ver o que é que eles estão a investir. O meu empregador, que é a AT&T não está necessariamente a investir no avanço da ciência linguística ou da ciência física ou da fonética. Está a investir na potencialidade de certos produtos. E esse investimento depende de avanços científicos, claro, mas fundamentalmente, a grande maioria do investimento não vai para os avanços científicos, não pode até porque avanços científicos não se fazem à la carte. Avanços científicos existem quando existem. A razão de eu fazer este ponto é que temo o Hans Uszkoreit já disse – temo que haja uma confusão na discussão. Quando se aponta, por exemplo, o processamento da língua portuguesa, a minha expectativa é que o objectivo é produzir produtos economica e socialmente valiosos, que consigam ser utilizados por pessoas que são falantes da língua portuguesa, de uma maneira efectiva. Quando se aponta ao avanço das ciências cognitivas, da linguística, da psicologia, das neurociências, estamos a falar duma coisa completamente diferente, que pode influenciar a engenharia, mas que não pode ser vista como uma contribuição directa a receber o mesmo tipo de financiamentos que são necessários para a solução dum problema de engenharia.

Esta observação leva a uma questão sobre a formação, também. A formação não pode ser tudo para todos. Porque efectivamente, um aluno não tem um tempo infinito, as universidades não têm recursos infinitos. Quando se faz formação em processamento da língua, tem que se decidir o que é que se está a fazer. Se se está a fazer uma formação para um cientista trabalhando, por exemplo, em psicolinguística, ou se se está a fazer formação para um engenheiro trabalhando, por exemplo, no processamento de fala. E dependendo da decisão que se faz, e isto é uma prioridade, que é definida ao nível político e institucional, se vão ensinar coisas diferentes. Claro que também existem relações entre os diferentes ensinos, mas da mesma maneira que o ensino da engenharia electrotécnica e o ensino da física são bastante diferentes, o ensino da linguística ou da ciência cognitiva é muito diferente do ensino da linguística computacional, principalmente na sua vertente aplicada. A razão porque eu saliento isto é porque ouvi dizer várias vezes: é preciso dar pessoas· treiná-las na linguística, em estatística, em informática, em vários aspectos da informática. Não há tempo para isso tudo. Têm que se fazer decisões muito difíceis sobre o que é que se vai· onde é que o ensino se vai focar, decisões essas que estão dependentes da nossa apreciação do mercado de trabalho, do potencial de desenvolvimento dos alunos e do potencial de desenvolvimento das estruturas de educação.


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