Doutor Fernando Pereira - Director do Machine Learning and Information Retrieval Research Department da AT&T Labs
Só gostava de fazer mais um comentário sobre oferta e procura. Muito da discussão que tem sido aqui, tem sido apresentado do ponto de vista da oferta, no sentido de que há esta disciplina, esta área de investigação, aquele projecto que procuram financiamentos, que precisam de maior apoio, este curso que precisa de mais apoio, mas eu gostava de inflectir a discussão na direcção da procura. E eu gostava de falar nisso da perspectiva de alguém que no dia a dia é um produtor mas também é um consumidor de recursos linguísticos e de ciência e tecnologia nesta área. Uma das áreas de procura mais importantes, que aliás foi mencionada, é a área de recursos linguísticos apropriados para a criação de aplicações e para também fazer investigação mais fundamental. Parece-me fundamental que os compradores e eu ponho compradores entre aspas, mas efectivamente são compradores tenham relativo controle sobre aquilo que compram nessa área e que em particular, todo o investimento de escala substancial na produção de recursos linguísticos seja coordenado por aqueles que os vão utilizar e aqueles que os vão utilizar se comprometam a utilizá-los através do seu bolso. Por exemplo, nós pagamos 20 mil dólares por ano ao Linguistic Data Consortium, e como nós, a IBM e outras companhias, penso. Isto é, o Linguistic Data Consortium da Universidade da Pensilvânia é parcialmente financiado pela indústria. Instituições académicas pagam 2 mil dólares por ano. Essa despesa, que é substancial, força-nos a ter uma atenção muito próxima ao que é que o Linguistic Data Consortium está a produzir e a tentar influencia-lo em direcções que são favoráveis à nossa investigação, para as nossas aplicações. Penso que uma produção de recursos linguísticos que não seja governada pelo interesse expresso, tanto intelectualmente, como financeiramente dos consumidores, é a produção de produtos que ninguém vai comprar. Porque esses produtos não são necessariamente apropriados às utilizações que se procuram fazer. Isto é um aspecto de oferta e procura.
Outro aspecto de oferta e procura que eu já mencionei anteriormente, mas não nestes termos, é relativamente à educação. Eu tenho dois papéis diferentes na procura de pessoas com formação nesta área. Uma é a procura de doutorados e o que eu procuro num doutorado é o nível científico melhor possível, um nível científico que se demonstra em termos de muitas publicações nas melhores revistas e conferências internacionais, um nível que é extremamente competitivo e em que cada ano talvez existam uma ou duas pessoas, que venham à nossa atenção, que nós consideraríamos contratar. Mas por outro lado, ao nível de mestrado como trabalho em investigação, normalmente não contrato pessoas nesta área, mas vejo o resto da companhia procurar tais pessoas ao nível de mestrado, é preciso talvez dez vezes mais pessoas competentes em áreas de processamento da língua, por exemplo, processamento da fala. É extremamente difícil, nos Estados Unidos, e penso que não é mais fácil em Portugal, encontrar pessoas ao nível de mestrado que se possam pôr a trabalhar num projecto aplicado a processamento de fala, que saibam o que estão a fazer desde o começo e que tenham um potencial de desenvolvimento duma carreira nessa área, que vêm preparados com a matemática e a informática necessárias para se adaptarem ao avanço da tecnologia. Portanto, parece-me que nessa área, em todo o lado, existe uma desconexão entre a oferta e a procura, tanto ao nível do mestrado, como ao nível do doutoramento.
Finalmente, também me parece que o equilíbrio entre partes mais científicas e as mais aplicadas da investigação tem que ser visto do ponto de vista da oferta e procura. Porque os financiamentos públicos são efectivamente uma procura política para o desenvolvimento de certas áreas. E portanto, tem que haver claridade, do ponto de vista político, do que são os objectivos dos diversos financiamentos, de modo que as instituições possam adaptar a sua produção àquilo que está financiado, ou fazer lobby para mudar essa atribuição de recursos, principalmente baseada em argumentos substanciados de qualidade, por exemplo. O que leva outra vez à questão da educação. Parece-me que é absolutamente fundamental que parte da educação, principalmente ao nível de doutoramento, incida na produção científica ao nível mais alto. Porque a esse nível, a competição é mundial. Não é a competição dentro de Portugal, ou a competição dentro dos Estados Unidos ou a competição dentro da França. Eu contrato doutorados de Israel, da Índia, da Europa, aliás das quatro últimas pessoas que eu contratei, uma é inglesa, embora tenha feito o doutoramento nos Estados Unidos; outra é americana, mas estava a trabalhar na Alemanha; outra é indiana, mas fez o doutoramento nos Estados Unidos; e outro é israelita e fez o doutoramento em Israel. Portanto, este é o mercado, de facto, de produção nesta área de trabalho, e se qualquer comunidade nacional ignora isso, está em grandes riscos de ficar completamente isolada.