Professor Luís Moniz Pereira – Centro de Inteligência Artificial


A pedido do autor, inserimos o seguinte comentário preliminar:

Não pretendo alterar o que disse, se começasse a mudar a tentação seria grande de mudar demais. O público deve compreender que as intervenções orais espontâneas têm as suas imperfeições, e portanto elas devem permanecer para esse seu carácter esteja claro. Naturalmente as opiniões vão evoluindo e aperfeiçoando-se, mas no essencial mantenho o que disse.


Eu gostava de expressar algumas preocupações que eu tenho em termos da organização desta área em Portugal. Vou partilhar convosco as minhas preocupações em termos de organização da área. Vou enunciar os meus pressupostos. Parece-me que isto é uma área politicamente importante, quer a nível nacional, quer internacional e portanto, o governo terá uma responsabilidade especial em promovê-la e articulá-la. Por outro lado, está visto que nos últimos 20 anos nesta zona e eu fui o autor da primeira gramática do português e fiz muitas outras há uns anos atrás e portanto, colaborei durante bastantes anos com a comunidade linguística também, mas verifico que passados mais de 20 anos, a comunidade por si não se consegue estruturar. Há muitas razões estruturantes e condicionantes, que não são apenas peculiares a esta área, mas à ciência em Portugal e às universidades e por isso, a nova legislação que configura novas instituições de investigação surge para poder desbloquear essa colaboração da comunidade científica. Eu vou enunciar uma proposta de solução nesse sentido. Portanto, eu parece-me que dar mais dinheiro para projectos é necessário, mas não resolve, não vale a pena simplesmente aparecerem mais projectos, se esses projectos não estão coordenados no sentido de atingir objectivos. E esses objectivos são objectivos supra-grupos, são objectivos de carácter nacional, são objectivos também de carácter económico e empresarial. Portanto, para que os projectos que apareçam possam ter a dimensão e o número de actores intervenientes, o número de grupos intervenientes para poderem atingir esses objectivos, com essa dimensão, será necessário que eles sejam articulados através de um financiamento que obrigue ou estimule esses grupos a cooperarem. Ou seja, o Estado, neste caso o Ministério da Ciência e Tecnologia, deveria poder enunciar objectivos, digamos a 5-10 anos. Eu penso que deve ser um objectivo haver um centro associado, nos termos da legislação que está mesmo para sair, devia ser um objectivo que houvesse um centro associado nesta área e essa figura de centro associado tem acoplada a noção de uma comissão de acompanhamento. Quer dizer, o MCT ao estabelecer certo tipo de objectivos, ao garantir esse financiamento por 5-10 anos a um centro associado, tem também o poder de acompanhar e velar para que esses objectivos sejam atingidos e não é simplesmente deixada aos centros a liberdade de fazerem investigação académica. Eu vou partir do princípio que saibam minimamente essa legislação e portanto, essa figura de centro associado parece-me apropriada para estruturar este domínio. Parecia-me mesmo que se devia lançar desde já um centro associado nessa área, porque é a única figura legal que permite ao Estado, através de uma comissão de acompanhamento e através da negociação de objectivos num contrato, ter alguma maneira de fazer a coordenação. Por outro lado, essa figura de centro associado traz acoplada a facilidade e a mobilidade de investigadores, que parece ser absolutamente necessária para a comunidade começar a cooperar. Também não podemos ignorar que no terreno existem instituições como o ILTEC, existem centros como o próprio Centro de Inteligência Artificial, que eu dirijo e onde existe um grupo importante de linguagem natural, que existem instituições com muitos anos de trabalho feito, que seriam parceiros importantes certamente de arranque de um centro desses, mas um centro desses não deveria excluir nenhum grupo que quisesse participar e portanto, afigura-se-me que um funcionamento em rede, e na União Europeia existe a experiência de funcionar nessas redes - eu próprio pertenço à comissão executiva de uma rede há muitos anos e portanto, tenho uma experiência directa disso - esse funcionamento em rede permite articular os vários actores, os vários grupos de investigação, as empresas, representantes do próprio Estado e a cada momento, aferir se os tais objectivos estão a ser cumpridos, acertar a distribuição de recursos, acertar a própria formação.

E aqui eu queria mencionar outro ponto que me parece essencial. É preciso que o governo lance, dê uma… claramente a ideia de que nesta zona vai… que é uma zona importante. Porque não é através de mais projectos científicos que os jovens vão fazer um mestrado em linguística computacional, ou vão apostar na licenciatura de engenharia de linguagem. Para eles, não é claro que isso é uma zona que vai dar emprego. Não é claro que é uma zona em que vai haver apostas empresariais, nem é claro também para as próprias empresas isso. Portanto, estes múltiplos actores precisam duma luz verde importante que forneça a base humana necessária a que tudo isto seja possível, sem a qual, sem esses jovens com capacidade de iniciativa, não poderemos estruturar essa área.


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